Opinião

O regresso do Estado, numa sociedade livre

José Conde Rodrigues

Perante uma nova crise e eis que surge o debate sobre o regresso do Estado, a esperança no aperfeiçoamento das suas instituições, na simplificação dos procedimentos que enquadram a sua relação com os cidadãos e as empresas.

E não se pense que este debate será, exclusivamente, nosso. Na verdade, ele varre todo o mundo ocidental, onde o modelo de Estado se encontra em crise ou metamorfose. Veja-se, a propósito, o recente discurso da chanceler alemã em reação à crise pandémica que atravessamos.

Ora, é com o objetivo de contribuir para essa reflexão que aqui se alinham alguns tópicos, precedidos de algumas premissas.

No debate até agora ocorrido na sociedade portuguesa, o tema central tem sido o da refundação do Estado ou o corte e emagrecimento do mesmo Estado. No entanto, o que é essencial é resgatá-lo de uns e melhorá-lo, requalificá-lo, para outros, os que dele precisam.

É preciso resgatá-lo, antes de mais, daqueles que o capturaram para os seus interesses e dele tiram proveito. É necessário, requalificá-lo, aperfeiçoá-lo, bem como as suas instituições, a sua estrutura, os seus métodos de trabalho e o seu modelo de financiamento, para o salvar da crise em que se encontra e mantê-lo ao serviço dos que dele não podem prescindir. Sistemas de saúde e proteção civil fortes, uma justiça eficaz, uma educação de qualidade, são fatores críticos do presente.

Sabemos, também, que não será uma tarefa fácil. Muitos o tentaram e falharam. E todas as propostas, mais ou menos ousadas e originais, serão inconsequentes, ineficazes, se não tiverem em conta a realidade, o contexto de partida, a chamada reserva do possível. No nosso caso, a enorme dívida pública e uma economia rentista e pouco inovadora.

E aí torna-se imprescindível fazer escolhas. Escolher, no fundo, que sociedade queremos e podemos ter e quais os recursos razoavelmente disponíveis para a manter.

Precisamos, assim, de um Estado motivador, catalisador, que governe (governar vem do grego: pilotar, monitorizar). O Estado deve, através de boas políticas, regular, incentivar, orientar o fornecimento das provisões públicas.

Um Estado garantia, acarinhado pela sociedade, que salvaguarde o espaço e o papel subsidiário da sociedade civil, das comunidades locais. É fundamental que os cidadãos se sintam envolvidos, não apenas enquanto utentes, mas, sobretudo, como donos do seu destino.

Um Estado competitivo, que promova a escolha na prestação de serviços. A questão decisiva está em existir concorrência. É que o monopólio tende sempre a degradar a qualidade dos serviços e a encarecer os custos. O monopólio extrai valor da sociedade e prejudica o interesse coletivo. Por isso, o caminho passará por garantir concorrência sob regras claras e equitativas.

Um Estado movido pela missão, que transforme as organizações públicas, através de metas e indicadores de desempenho. Um Estado orientado para os resultados e não apenas para os procedimentos. Só assim, será verdadeiramente avaliável e, consequentemente, responsável.

Um Estado rigoroso, que gira bem os recursos disponíveis, porque estes são sempre escassos. A avaliação custo-benefício deve estar sempre presente em cada utilização dos recursos públicos. Apoiar os que mais precisam, tomar decisões com significado social, mas não esquecendo as regras da boa gestão.

Um Estado desconcentrado que caminhe da clássica hierarquia para a participação e o trabalho em rede. A desconcentração deve ser um processo gradual, mas contínuo. Decidir ou prestar mais perto dos destinatários é muito mais eficaz.

Um Estado orientado para a criação de valor. As instituições públicas devem reduzir os custos de contexto e ajudar a otimizar as soluções do mercado sem prescindir, naturalmente, da defesa do interesse geral. Só instituições fortes e credíveis geram a riqueza das nações.

Um Estado antecipatório, preventivo, que evite os problemas, antecipe os riscos e os perigos, antes que o dano ocorra. Tal função do Estado é determinante para a segurança de todos, como se constata nos dias de hoje.

Em suma, é fundamental saber a que Estado queremos regressar. Terá de ser um Estado forte, que funcione melhor, mas, simultaneamente, garanta uma sociedade aberta, livre, inclusiva, com comunidades e indivíduos responsáveis.

Advogado, professor universitário

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