Opinião

Carta Aberta ao Presidente da República – Pedir ajuda ao Oriente

Carta Aberta ao Presidente da República – Pedir ajuda ao Oriente

Altamiro Costa Pereira

Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

O Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto faz, em artigo de opinião, um apelo a Marcelo Rebelo de Sousa

Excelentíssimo Senhor

Presidente da República Portuguesa

Doutor Marcelo Rebelo de Sousa,

Antes de mais, quero felicitá-lo por ter decretado o Estado de Emergência em Portugal e pelo discurso que no seu seguimento fez ao País. Na verdade, são terríveis e impiedosos os tempos que vivemos. E eles não se compadecem com tibiezas nem hesitações.

Por isso a sua palavra e ação são importantes. Pessoalmente, fiquei também muito agradado pela quase unanimidade na resposta a esta sua interpelação por parte da Assembleia da República e do Governo. Mas agora, no curtíssimo intervalo de tempo que ainda nos resta (e que a cada hora se encurta) é necessário tomarem-se mais e mais medidas, de natureza sanitária e política!

Assim, apelo-lhe, como português e cidadão europeu, para que exerça a sua enorme influência simbólica e diplomática, junto de países ou regiões que têm partilhado com Portugal relações históricas, comerciais e de entreajuda, há já mais de 500 anos, para que nos auxiliem agora, neste momento de enorme necessidade. Obviamente, estou a falar do Japão e da República Popular da China, com especial destaque para a Região Administrativa Especial de Macau. Na verdade, fruto de terem tido que lidar com a epidemia de SARS no início deste milénio e agora com a de Covid-19, a China e suas Regiões Administrativas Especiais estão preparadas como nenhum outro país – com as possíveis exceções do Japão e da Coreia do Sul – para nos ajudar neste combate que, tendo chegado agora de forma avassaladora até nós, não irá tão cedo deixar-nos dormir descansados!

Essa ajuda não deverá ser apenas de natureza material, com os seus equipamentos de proteção, de diagnóstico e de tratamento (por exemplo, máscaras, medicamentos e ventiladores) de que já temos e teremos cada vez mais falta no nosso SNS, à medida que a situação vá piorando, mas também e, talvez sobretudo, deverá ser através da partilha de conhecimento epidemiológico e de saúde pública! Na verdade, é já mais do que tempo de termos especialistas estrangeiros a ajudar-nos. Sobretudo em Lisboa e junto do Governo – e, se tal não for possível, pelo menos com o auxílio de videoconferências – orientando os conselheiros, os assessores e, ideal e diretamente, os mais responsáveis pela condução deste combate, o Senhor Presidente, o Primeiro Ministro, a Ministra da Saúde e a Diretora da DGS. Já para não falar no conselho especializado aos membros do Conselho Nacional de Saúde ou ao menos evidente Conselho Nacional de Saúde Pública!

Senhor Presidente, tenho os meus estudantes sem aulas desde há mais de uma semana, mas os nossos docentes estão a fazer o possível e a dar o seu melhor – tal como muitos outros professores por todo o País – para tentar mitigar esta situação, dando aulas à distância. Mas, muito pior, tenho também inúmeros colegas e amigos a baterem-se, há muito mais tempo, nas urgências, nas enfermarias e nos cuidados intensivos do Centro Hospitalar Universitário de S. João, empenhados em rastrear e tratar doentes com Covid-19, a acrescer aos seus doentes habituais. E, neste momento, a baterem-se já quase como muito antes o tinham feito os seus avós ou bisavós, nas trincheiras da Primeira Guerra, em La Lys. E, se tivermos em consideração o que faltará percorrer para atingirmos o pico da epidemia, estamos ainda no início da sua progressão, em Portugal.

Ou seja, Senhor Presidente, num tempo de verdade e de emergência absolutas, é hora de não termos medo de confessar as nossas próprias limitações, como País, como políticos ou mesmo como especialistas e, reconhecendo-o, é tempo de pedirmos ajuda a quem melhor estiver em condições de nos ajudar!

E, sobretudo, não esquecendo que o retardar ou o adiar, apenas por um dia ou umas horas, de uma decisão correta de isolamento mais restrito da população ou de rastreio mais intensivo de casos na população poderá impedir a prevenção da morte de um número muito considerável de portugueses. Ademais, quando o atual número de mortes em Portugal, tal como acontecerá em todos os outros países, estará subestimado, por eventual não reconhecimento do diagnóstico de Covid--19, aquando do registo do óbito dos nossos doentes, e ainda pelo excesso de mortes, em doentes não infetados por Covid-19, por sobrecarga do SNS.

Com os melhores cumprimentos pessoais e institucionais.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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