Opinião

Carta a António Costa: Um sonho chamado Portugal

Francisco Rebelo de Andrade

Era o dia 19 de Março de 2010, dia do Pai, eu e os meus melhores amigos inaugurávamos a HOTDOG LOVERS, uma das primeiras marcas lisboetas de streetfood, no quiosque do Miradouro de S. Pedro de Alcântara, que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) tinha acabado de entregar, por concurso, para concessão privada.

A adesão à festa tinha sido um sucesso e os cachorros-quentes de Cascais (os melhores do mundo, claro) tinham estado à altura e finalmente chegado a Lisboa, pela mão de Renato Proença e da sua equipa que, desde 1988 - até hoje! - tem feito as delícias dos amantes dos tradicionais cachorros de Cascais.

Portugal e o Mundo atravessavam o efeito da crise dos mercados financeiros de 2008, a confiança privada estava em baixa, todas as pessoas circulavam de cabeça enterrada nos ombros e eu via nisso uma oportunidade.

Levantei-me no dia seguinte, 20 de Março, e não me continha de alegria. Via com perfeita nitidez tudo o que iria ser a minha vida dali para a frente.

Tinha 23 anos, um curso de Direito acabado, amava Portugal com a nossa história e cultura, o povo amigo e as praias da nossa costa, com a sua comida e luz.

E tinha a certeza de que isso era suficiente para nos levantarmos do chão e sairmos da situação de crise em que nos encontrávamos. Tive a certeza, também, de que era uma questão de tempo até que o resto do mundo se apercebesse disto e começassem a chegar turistas querendo mudar-se para cá, ou, simplesmente, visitar-nos.

Então, pus mãos à obra e desde cedo percebi que a CML estava totalmente disposta a apoiar a iniciativa privada e que o caminho estava aberto para quem tivesse alguma visão, o mínimo de coragem e ambição.

Em 2011 deixei o escritório de advocacia onde trabalhava e juntei-me a tempo inteiro aos meus amigos, para criar um grupo de empresas que tem hoje cerca de 150 trabalhadores, e que no verão chega a contar mensalmente com mais de 400 colaboradores, trabalhando com restaurantes, eventos de música, salas de eventos e espaços de lazer e turismo na cidade de Lisboa.

A viagem tem sido incrível, permitiu-me crescer e encontrar a minha mulher, ser padrinho dos filhos dos meus amigos, ter uma vida independente, conhecer o mundo e contactar com milhares de clientes portugueses e turistas ou viajantes que deram mais alegria ao nosso país e me permitiram empregar milhares de pessoas ao longo destes dez anos, e fizeram de mim um homem feliz e realizado.

Ontem, a 19 de Março de 2020, imaginei-o tantas vezes - passados 10 anos - era o dia em que eu iria dar outra festa, desta vez para celebrar a vida e agradecer a amizade e as relações de trabalho ou clientela a todas as pessoas que tanto me deram na última década.

A festa, no entanto, já fora cancelada há mais de quinze dias por causa do Corona Vírus, claro. E eu até a esquecera por completo.

O esforço desumano (pelo qual ninguém devia ter de passar) de ser forçado a encerrar em duas semanas as várias empresas: cancelamentos de encomendas; negociação com fornecedores e senhorios; cartas pedindo moratórias aos bancos; tentativa de escoamento de stocks perecíveis; o medo do vírus, acentuado pelo contacto com familiares ou amigos em situação de risco, fizeram-me esquecer tudo o resto.

E, pior que tudo, foi a necessidade de enviar para casa tantas pessoas, sem saber o que lhes dizer. Que “por agora irão receber tudo”, mas que “com as medidas que se adivinham, é possível que haja uma redução em parte dos seus salários”, e que “(espero) ter maneira de lhes pagar este e o próximo mês...” mas que “não se preocupem, porque os aviso de tudo”... porque “a verdade é que ainda não sei como, ou, sequer, se lá chegaremos”, mas que “há-de passar” e que “olhem, aproveitem e levem um cabaz para casa, que a Senhora Sónia da cozinha está a preparar um para cada, senão vai estragar-se...”

Tínhamos passado quase três semanas nesta azáfama, e só dia 18, perante o estado de emergência anunciado, consegui terminar a tarefa de ter tudo encerrado. Deitei-me e caí como uma pedra.

E não é que a vida tem destas coisas? Ontem acordei exaurido, e só então me apercebi de que era precisamente dia 19 de Março, décimo aniversário da minha empresa, e dia do Pai. Liguei ao meu, contei-lhe a história e rimo-nos da amarga ironia: no dia do décimo aniversário das minhas empresas, não só não haveria festa, como era o primeiro dia em dez anos em que eu não receberia um único cliente, estava tudo fechado...

Naquele dia 20 de Março, em 2010, eu acordava cheio de certezas e a sonhar com o futuro. Passados exatamente dez anos, acordei apreensivo e não faço ideia sobre como proceder.

O caminho que temos pela frente não é claro. Há dois dias assisti à emissão da TVI e ouvi Fernando Medina: a visão do presidente da Câmara Municipal de Lisboa acerca do caminho que temos à nossa frente e a importância de não pararmos de trabalhar e mantermos a economia a andar foi uma lufada de ar-fresco. Um conselho útil e esclarecedor entre a confusão e o alarme das redes sociais em que todos estamos enterrados. A mensagem era: “a economia não pode parar!”.

É fundamental que um autarca tenha esta capacidade de comunicar diretamente connosco, de forma clara, sem demagogia nem subjetividades e, acima de tudo, sem medo de passar a mensagem certa, mesmo quando ela é diferente da opinião generalizada de um público assustado.

Há 10 anos, na altura em que eu sonhava com o futuro, o autarca que presidia à Câmara Municipal de Lisboa era a mesma pessoa que hoje preside ao Governo do nosso país. Assim:

— Senhor Primeiro-Ministro, caro Dr. António Costa, com toda a estima que sabe que lhe tenho, peço-lhe auxílio. Não estou desesperado, nem eu nem a minha equipa. Estamos prontos para dar a volta, mas não temos meios para o fazer. Contamos consigo e precisamos desesperadamente da ajuda do Governo do nosso país.

É urgente uma moratória nas prestações aos bancos e nas rendas.

Seremos todos fundamentais para voltar ao ponto da estrada em que estávamos, e não podemos deixar cair ninguém pelo caminho.

Aos nossos colaboradores, aos clientes, aos fornecedores, aos amigos, às famílias, aos concorrentes, a nós todos portugueses, digo que temos de estar confiantes. Temos de ter força para andar para a frente e aprender com isto. Afinal, esta não é a primeira, nem será a última crise que vamos ultrapassar.

No fim do dia, disse-me ontem um dos meus amigos: “não há coincidências na vida, é o fim de um ciclo.”

Agora, a chave está em como vamos começar o próximo. Era isto que gostava de lhe dizer, Senhor Primeiro-Ministro.

O sonho é igual, e chama-se Portugal. Mas precisamos da sua ajuda.

Agora, mais do que nunca.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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