Opinião

O partido sexy da Nova Direita não gosta de mulheres

O partido sexy da Nova Direita não gosta de mulheres

Graça Canto Moniz

Professora na Universidade Lusófona e na NOVA School of Law, CEO da FUTURA

Não vislumbro como é que com um plantel tão curto, contratado de madrugada pela mão de empresários e agentes, onde faltam tantas jogadoras e jogadores para posições essenciais, poderá dar resposta aos desafios exigentes da competição política

Conheci o CDS-PP em duas experiências autárquicas em Viseu. Na primeira, participei como mera observadora e na segunda como mandatária da juventude e candidata à Assembleia Municipal.

Foram o entusiasmo da política local e as pessoas que fui conhecendo que motivaram a minha filiação. Em 2015, com 25 anos, mudei-me para Lisboa para me doutorar e, desde essa altura, fui-me envolvendo em funções executivas no partido; primeiro, na liderança de Paulo Portas, e mais tarde, com Assunção Cristas. Ainda com Paulo Portas, fui Diretora executiva do Gabinete de Estudos, tendo trabalhado na preparação daquilo que seriam as propostas do partido no programa da PàF e integrado a equipa de negociação com o PSD.

Nos mandatos de Assunção Cristas, fui vogal da Comissão Executiva do partido e fiz parte do grupo que coordenou o último programa eleitoral. O meu envolvimento na ação política nacional não me fez esquecer a política local e, no anterior ciclo autárquico, fui deputada municipal.

Na recente disputa, tomei a decisão de apoiar o João Almeida mas decidi também que não integraria qualquer órgão do partido, entendendo que, não obstante o nosso esforço, a direção de que fiz parte falhou nos seus objetivos, sendo por isso fundamental dar espaço a uma necessária renovação de protagonistas e da organização.

Sempre pautei a minha ação política interna pelo trabalho, pela discrição, pela positiva, com sentido de responsabilidade, procurando consensos, nunca mediatizando as desilusões e as agruras próprias da vida partidária. Há momentos, porém, pela sua importância, em que não podemos deixar que a militância nos limite a palavra; momentos nos quais, em serenidade, devemos ser portadores de mensagem e testemunho, para que o nosso silêncio não seja cúmplice com aquilo que não concordamos ou vá mesmo contra aquilo em que acreditamos. Tendo cessado responsabilidades executivas no CDS-PP, numa fase em que as minhas palavras só a mim me vinculam, e apenas respondem à minha consciência, senti ser necessário partilhar a minha experiência, não por vaidade pessoal, mas porque suporta a raiz da minha desilusão com a nova solução política encontrada.

O partido que fui conhecendo nestes poucos anos de militância foi, como a minha própria história reflete, um partido de oportunidades para caras novas e jovens – não era necessário falar-se em quotas. O CDS-PP que fui conhecendo foi um partido com tantas mulheres na liderança (em cargos de maior e menor protagonismo) que seria fútil enunciá-las, correndo o risco de destacar umas em prol de outras. O protagonismo que assumiram e as funções que desempenharam devem-se ao mérito das próprias, mas também à abertura, visão e capacidade de atrair mulheres para o projeto político por parte das sucessivas lideranças.

Não sendo fácil num país dominado culturalmente pela esquerda, ser mulher, jovem e de direita, sempre foi motivo de orgulho – e um elemento adicional de motivação para a ação – fazer parte de um partido que era exemplar e liderante na forma como, naturalmente, acolhia e promovia as mulheres, esvaziando, no seu exemplo e na sua ação, as narrativas a propósito da necessidade da imposição de quotas.

Ora, é com tristeza e profunda desilusão que constato que todo este cenário mudou com a emergência da dita Nova Direita. Avaliando em detalhe a composição dos novos órgãos do CDS-PP, salta à vista mais desarmada que, nas cerca de 800 pessoas que suportaram a nova direção no congresso, não foi possível encontrar sequer 10 mulheres disponíveis e “com perfil”, para assumir responsabilidades na Comissão Executiva e na Comissão Política Nacional: cerca de 60 pessoas integram estes órgãos, 6 são mulheres, e todas elas em posições subalternas, embora estejam ao nível do melhor que podemos encontrar na nova direção.

A resposta fácil que certos setores (não só à direita – porque a falta de representatividade das mulheres é transversal a todo o sistema político e partidário, – mas também numa certa direita), reiteradamente ensaiam para ignorar a fragilidade deste tipo de resultados, passa por de uma forma austrolopiteca desvalorizar o desequilíbrio, proclamando que é falso o problema de “reputação” e que a sua mera enunciação ou tentativa de remediação mais não é do que uma cedência para agradar ao “politicamente correto” ou a pressões da comunicação social e da contemporaneidade, assumindo, com ar grave, que a ausência de mulheres não é relevante, por resultar de escolhas meritocráticas e de “perfil adequado à função”.

Formei-me politicamente entre a proximidade que a política local permite e as responsabilidades nacionais, mas sempre procurando estar próxima das pessoas e dos seus problemas. E é por isso que me pergunto como é possível pensar-se que é viável, nos dias de hoje, protagonizar um projeto político, que necessariamente tem de dar resposta, por exemplo, a temas tão caros ao CDS-PP e às suas bases, como a natalidade, a família, a educação, ou o assistencialismo aos idosos e doentes – que são ainda em Portugal tarefas esmagadoramente assumidas por mulheres – com um grupo exclusivamente de homens.

Este tipo de desleixo choca com a realidade que tenho observado e vivido nos últimos anos e que me levou a crer que estavam em curso mudanças sociais e, sobretudo, geracionais, lideradas no seu exemplo pela direita: até há uma semana, olhava-se para a direita portuguesa e estávamos em linha com a tendência geral, onde não faltam mulheres protagonistas. Basta ver o caso dos nossos vizinhos espanhóis, onde tanto no PP como no Ciudadanos e no Vox, algumas das intervenções políticas mais marcantes têm sido protagonizadas por mulheres.

A posição assumida pelo CDS-PP está, aliás, em contramão com uma parte do país: aquilo que encontro, na minha vida profissional, na Universidade, nas empresas mais inspiradoras, hospitais, ONG’s, e instituições do setor social, são cada vez mais mulheres, dirigentes, liderantes, empenhadas, que de repente deixaram de estar disponíveis, ou de não ter “perfil”, para esta Nova Direita.

A semana que passou começou com esperança e expetativa, com a apresentação de um projeto, no qual participei, que tem como objetivo dar voz e palco à minha geração - o “100 oportunidades” -, acabou com um sabor amargo, ao constatar que o primeiro projeto político protagonizado por um jovem da minha geração, com 31 anos, quer ser “sexy”, mas não conta com mulheres, sobretudo jovens.

Há, evidentemente, que dar espaço à nova liderança para que possa afirmar-se; não esqueço, aliás, que fiz parte de uma equipa recentemente goleada, e por isso vou jogar para outras ligas; mas fazendo uso de uma metáfora futebolística – sim, as mulheres também gostam de futebol–, e regressada à minha condição de adepta, não vislumbro como é que com um plantel tão curto, contratado de madrugada pela mão de empresários e agentes, onde é visível o excesso de velhas guardas e de trincos, que apresenta várias filosofias de jogo antagónicas, onde faltam tantas jogadoras e jogadores para posições essenciais, poderá dar resposta aos desafios exigentes da competição política. Não me esqueço que estamos a falar do CDS-PP, mas mesmo assim, há que não confundir democracia-cristã com Fé em Deus – ou, neste caso, fézada.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate