Opinião

Manifesto de solidariedade com Joacine: "No combate contra o racismo e na defesa da democracia"

Manifesto de solidariedade com Joacine: "No combate contra o racismo e na defesa da democracia"

Carta de solidariedade assinada por 220 personalidades, de Rui Zink a José Eduardo Agualusa, defende a deputada eleita pelo Livre. Leia em exclusivo

No passado dia 6 de outubro a democracia portuguesa deu sinais de crescente maturidade ao eleger três deputadas negras: Beatriz Dias (BE), Joacine Katar Moreira (Livre) e Romualda Fernandes (PS). Essa eleição é o culminar de uma luta pelo direito à representatividade empreendida por movimentos sociais e cívicos que há anos trabalham no terreno para permitir este resultado. Mas também abre perspetivas de futuro, porque sugere uma maior centralidade da luta antirracista numa sociedade marcada por uma herança colonial que permanece largamente inquestionada. No entanto, ao invés de inspirar a celebração que estas conquistas merecem, o ato eleitoral do mês passado tem dado azo a um ataque à pessoa e figura pública de Joacine Katar Moreira. Este ataque é também uma estratégia de deslegitimação da participação política de pessoas racializadas e das políticas de promoção da igualdade étnico-racial que estas reivindicam.

O assédio à sua pessoa já havia começado durante a campanha eleitoral, quando a gaguez da deputada se tornou alvo de achincalhamento. Na noite eleitoral a celebração da eleição da deputada motivou escândalo, porque um dos seus apoiantes desfraldou uma bandeira da Guiné-Bissau, país de origem da deputada. Mais recentemente, após as primeiras intervenções da deputada no hemiciclo, os ataques à gaguez intensificaram-se e já não se limitam às redes sociais; comentadores políticos publicam agora nos jornais colunas em que arejam uma crueldade, mal disfarçada de piedade paternalista, que não têm outro propósito senão desqualificar a deputada e, por arrasto, a representatividade política das pessoas racializadas.

Estes ataques servem, sobretudo, para deslegitimar a entrada na casa da democracia de uma agenda antirracista, não por procuração, mas protagonizada por pessoas racializadas, e expõem um profundo mal de escuta que atravessa a sociedade portuguesa em relação ao racismo. Insultos soezes multiplicam-se desde que Joacine Katar Moreira, entrevistada pelo jornal “Público” aquando da tomada de posse, se deixou fotografar diante das pinturas murais que adornam as paredes do Salão Nobre da Assembleia da República, num simbolismo cujo poder não passou ao lado do fotógrafo. Quase meio século volvido sobre a independência dos países africanos de língua portuguesa, evento sem o qual a democracia portuguesa não se concebe, a presença da deputada no Salão Nobre mandado decorar pelo Estado Novo oferece uma ocasião para repensar o imaginário nacional de acordo com a pluralidade democrática que caracteriza a sociedade portuguesa atual; no entanto, os insultos que se sucedem desde então mostram que muitos são incapazes de se pensar e à sua sociedade fora do paternalismo colonialista em que o Estado Novo formatou história e quotidiano, imaginação e desejo.

O mal-estar evidenciado por tanta agressão era previsível, mas a sua intensidade choca. E a previsibilidade não torna aceitável aquilo que em democracia é intolerável: o ódio, a perseguição pessoal, o preconceito e, não tenhamos ilusões, a vontade de obliterar a decisão soberana do eleitorado. Joacine Katar Moreira foi eleita pelo povo português, para cumprir o seu mandato até ao fim. O escrutínio crítico da sua atividade como deputada faz parte do jogo democrático e é naturalmente bem-vindo. Mas na democracia não pode haver lugar ao linchamento público nem ao racismo. O povo falou a 6 de outubro, e agora é tempo de deixar a democracia seguir o seu curso.

Os signatários, de vários quadrantes da vida cultural, social, académica e política, declaram a sua solidariedade com a deputada Joacine Katar Moreira e apelam ao sentido de responsabilidade cidadã dos portugueses e das instituições públicas para que não deixem impor-se a linguagem do ódio e da desconfiança onde deve apenas haver lugar para a vigilância crítica, o debate aberto e a vontade de ir mais longe na construção de um futuro melhor para todos.

LISTA DE SIGNATÁRIOS - SOLIDARIEDADE COM JOACINE

Abel Djassi Amado - doutorando (EUA)

Aida Tavares - programadora cultural

Alexander Couts - professor de economia

Alexandra Lucas Coelho - escritora

Alexandre Melo - professor universitário e crítico de arte

Allex Miranda - Actor

Ana Balona Oliveira- investigadora em história de arte
Ana Bigotte Vieira - historiadora e programadora Teatro do Bairro Alto

Ana Cristina Cachola - curadora e professora universitária

Ana Gandum - investigadora em fotografia

Ana Lobato Castanheira - produtora cultural

Ana Lúcia Araújo - historiadora

Ana Stela Cunha - investigadora e antropóloga

Anderson França - escritor e ativista

André Barata - filósofo

André Carmo - dirigente sindical

André e. Teodósio - encenador

André Godinho - cineasta
Andreia Cunha - agente cultural

Anette Dujisin - gestora Filmin Portugal

Ângela Barreto Xavier - historiadora

Ângela Ferreira - artista

Ângella Graça - INMUNE

Ângelo Torres - ator

Anna Klobucka - professora e investigadora

António Pinto Ribeiro - programador cultural

Apolo de Carvalho - Associação Afrolis

Arielle Turpin - médica

Bernadete Pinheiro - escritora

Bernardino Aranda - livreiro

Boaventura Sousa Santos - sociólogo

Bruno Cardoso (Xinobi) - músico

Bruno Gomes - dirigente associativo cigano

Bruno Leitão - curador

Bruno Peixe Dias - investigador

Bruno Sena Martins - investigador

Carla Fernandes - jornalista e ativista Associação Afrolis

Carla Filipe - artista

Carlos Martins - músico, associação sons da Lusofonia

Carlos Seixas - produtor e programador FMM

César Schofield Cardoso - artista

Chalo Correia - músico

Cíntia Gil - diretora do Sheffield Doc/Fest

Clara Saraiva - antropóloga

Cristiana Bastos - antropóloga

Cristiana Tejo - curadora, historiadora de arte

Cristina Roldão - docente e investigadora

Cristina Santinho - antropóloga

Daniel Martinho - ator

David Cabecinha - direção artística Alkantara

Dexter - DJ

Diogo Ramada Curto - historiador

Eduarda Neves - curadora e investigadora

Fátima Bueno - professora e investigadora, USP

Fátima Sá e Melo Ferreira - professora universitária

Fernanda Fragateiro - artista

Fernando André Rosa - doutorando em sociologia

Fernando Anjos - professor de economia

Fernando Ramalho - livreiro e músico

Filinto Elísio - poeta e editor

Filipa César - artista

Filipa Lowndes Vicente - investigadora

Filipa Reis - realizadora e produtora

Francisco Bethencourt - historiador

Francisco Frazão - programador do Teatro do Bairro Alto

Françoise Vergès - féministe décoloniale antiraciste, auteure et chercheure indépendante.

Gisela Casimiro - escritora

Gisela João - cantora

Gonçalo Amorim - encenador

Grada Kilomba - artista interdisciplinar, escritora e teórica

Helena Ferro de Gouveia - investigadora em estudos para a paz e directora de comunicação

Hugo van der Ding - humorista

Inês Beleza Barreiros - investigadora e historiadora cultural

Inês Coutinho/Violet - Dj/Música

Inês Grosso - curadora do MAAT

Inês Oliveira - realizadora

Inocência Mata - professora e crítica literária

Irineu Destourelles - artista

Isabel A. Ferreira Gould - investigadora, EUA

Isabel Llano - pintora

Isabél Zuaa - atriz e performer

Ivan Nunes - investigador

Javier Mocarquer - professor universitário, EUA

Joana Barrios - atriz

Joana Bértholo - escritora

Joana Gomes Cardoso - agente cultural

Joana Sá - cientista

João Constâncio - filósofo

João Cunha Serra - dirigente sindical

João dos Santos Martins - coreógrafo

João Fiadeiro, coreógrafo

João Laia - curador

João Mário Grilo - cineasta e professor catedrático

João Pedro George - escritor

João Pedro Vale - artista

João Salaviza - realizador

Joel Zito Araújo - realizador

Jorge Fonseca de Almeida - economista

Jorge Jacome - realizador

José Eduardo Agualusa - escritor

José Falcão - dirigente do SOS Racismo

José Luís Peixoto - escritor

José Maria Vieira Mendes - escritor

José Neves - historiador e professor

José Semedo Fernandes - advogado

Josina Almeida - funcionária pública

Josina Almeida - funcionária pública saúde

Juan Araújo - artista venezuelano residente em PT

Kalaf Epalanga - músico e escritor

Katalin Muharay - jornalista

Kiluanji Kia Henda - artista

Kristin Bethge - fotógrafa

Lígia Afonso - historiadora de arte

Liliana Coutinho - professora universitária e curadora

Lisa Voigt - investigadora e professora

Luís Trindade - investigador e professor

Luísa Homem - realizadora

Luísa Semedo - docente universitária e dirigente associativa

Luísa Sequeir - realizadora

Luiza Teixeira de Freitas - curadora independente

Lurdes Macedo - investigadora

Luzia Gomes Ferreira - professora na Univ. Pará

Luzia Moniz - jornalista e dirigente da PADEMA

Maíra Zenun - artista visual

Mamadou Ba - ativista anti-racista, investigador

Manuel dos Santos - sociólogo

Manuel Loff - historiador

Manuela Ribeiro Sanches - investigadora e professora

Marcos Cardão - investigador

Margarida Paredes - antropóloga

Margarida Rendeiro - professora universitária

Maria do Carmo Piçarra - investigadora em cinema e professora universitária

Maria Paula Meneses - investigadora Coordenadora CES

Maria Prata - professora

Mariana Silva - artista

Mário Dujisin - jornalista

Mário Moura - crítico

Marissa Moorman - investigadora

Marta Araújo - investigadora

Marta Lança - investigadora e editora Buala.

Marta Mestre - curadora e crítica de arte

Matamba Joaquim - ator

Michelle Sales - investigadora

Miguel Cardoso - poeta e tradutor

Miguel Castro Caldas - dramaturgo

Miguel Lobo Antunes - reformado

Miguel Ribeiro - diretor DocLisboa

Miguel Sermão - ator

Miguel Vale de Almeida - antropólogo

Mónica de Miranda - diretora artística do Hangar, artista e investigadora

Nuno Alexandre Ferreira - artista

Nuno Crespo - professor universitário e crítico de arte

Nuno Dias - sociólogo

Ondjaki - escritor

Oriana Alves - editora Boca

Patrícia Azevedo da Silva - antropóloga

Patrícia Lino - professora universitária

Patrícia Martins Marcos - historiadora

Paula Cabeçadas - pré-reformada da EDP

Paula Sá Nogueira - encenadora

Pauliana Valente Pimentel- fotógrafa

Paulo Fidalgo - médico

Paulo Pascoal - Ator

Pedro Barateiro - artista

Pedro Cardim - historiador

Pedro Faro - historiador da arte

Pedro Neves Marques - artista

Pedro Penim - encenador

Pedro Pinho - realizador

Pedro Schacht Pereira- investigador e professor

Pedro Vieira - apresentador, escritor

Piménio Ferreira - engenheiro físico e ativista

Rafael Esteves Martins - leitor de português

Rahiz - artista

Raquel Lima - artista, poetisa e investigadora

Raquel Ribeiro - escritora, prof.ª universitária e jornalista

Raquel Schefer - investigadora

Renée Nader Messora - realizadora

Ricardo Vasconcelos - professor universitário

Rita Natálio - investigadora e performer

Rodrigo Lacerda - antropólogo

Rogério Nuno Costa - artista, professor e investigador

Rosário Severo - mediadora cultural

Rui Gomes Coelho - arqueólogo

Rui Lopes - historiador

Rui Maria Pêgo - apresentador de rádio e televisão

Rui Zink - escritor

Rute Serôdio - jurista

Salomé Lamas - artista, cineasta

Sara Goulart - produtora

Sara Serpa - cantora-compositora

Shenia Karlsson - psicóloga clínica e social

Sílvia Roque - investigadora

Soraia Simões de Andrade - historiadora musical

Susana Matos Viegas, antropóloga, investigadora

Susana Menezes - diretora Teatro Lu.Ca

Susana Peralta - professora de economia

Susana Pomba - curadora

Teresa Almeida Cravo - professora universitária

Teresa Castro - professora universitária

Teresa Fradique - antropóloga

Tiago Cação - global talent assistance

Tiago Guedes -programador cultural

Tiago Hespanha - realizador

Tiago Lila - fadista

Valter Ventura - fotógrafo e professor universitário

Vanessa Rato - jornalista e investigadora

Vânia Gala - coreógrafa e investigadora

Varela K. Kadu, artista

Vasco Araújo - artista

Vera Tavares - designer gráfica

Victor de Sousa - investigador de ciências sociais

Victor Pereira - historiador

Vítor Oliveira Jorge - arqueólogo

Welket Bungué - cineasta e actor

Wilson Vilar Celeste Mariposa - DJ

Yara Costa - realizadora

Yara Monteiro - escritora

Yen Sung - DJ

Yonamine - artista

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