António Hespanha consagrou cinquenta anos da sua vida à docência e à vida pública, que se iniciou nos anos 1970, tendo sido professor em muitas instituições universitárias de referência no campo do Direito, da História e das Ciências Sociais, tanto em Portugal como no estrangeiro. Foi licenciado e pós-graduado em Direito pela Universidade de Coimbra onde foi Assistente. Foi também Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, continuando a dele fazer parte como Investigador Honorário, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, e Professor Catedrático convidado da Universidade Autónoma de Lisboa. No estrangeiro, foi, entre inúmeras outras universidades, Professor Convidado da Universidade de Yale (EUA), da École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), da Universidade de Berkeley (EUA) e da Universidade de Macau. Tinha já recebido o grau de Doutor honoris causa pelas Universidades de Lucerna (Suiça) e Federal de Curitiba (Brasil), tendo no mês passado sido aprovado, pelo Departamento de Derecho Privado, Económico y Social a proposta da investidura de António Manuel Hespanha como Doutor honoris causa pela Universidad Autónoma de Madrid.
António Hespanha deixou uma marca indelével na historiografia e na cultura portuguesas, enquanto historiador e cidadão. O livro As Vésperas do Leviathan (1988, 1994) revolucionou o entendimento da história institucional e política de Antigo Regime em Portugal e no seu império. Esse verdadeiro terramoto historiográfico teve impacto nas muitas gerações de investigadores por ele formados e que com ele contactaram (e nos grupos de investigação que criou), e fez-se sentir muito para lá das fronteiras portuguesas. Espanha, Itália, Alemanha, França, Brasil e vários países da América Latina estão entre os lugares onde As Vésperas… e os estudos que se lhe seguiram tiveram uma enorme ressonância, formatando gerações de historiadores. Nos últimos anos dedicou-se ao estudo do constitucionalismo liberal, cujo paradigma historiográfico tem ajudado a rever, também aí com um impacto notável. Igualmente marcante foi a sua obra no campo da história e da teoria do Direito.
Tendo sido autor ou coordenador de mais de vinte e cinco livros e de centenas de artigos, publicados em Portugal e no estrangeiro, torna-se difícil de destacar os mais relevantes. Ainda assim lembramos, para além do já referido As Vésperas do Leviathan, os seminais A História do Direito na História Social (1977); a História das Instituições. Épocas medieval e moderna (1982); La gracia del derecho. Economía de la Cultura en la Edad Moderna (1993); o volume O Antigo Regime na História de Portugal dirigida por José Mattoso (1993), cujo volume IV coordenou, Guiando a mão invisível. Direito, Estado e lei no liberalismo monárquico português (2004); Hércules Confundido. Sentidos
Improváveis e Variados do Constitucionalismo Oitocentista. O Caso Português (2009) e O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje (2009).
Para além da docência e da produção científica, dedicou parte do seu tempo à edição de trabalhos científicos e de investigação, área na qual se distinguiu enquanto fundador e Director de duas inovadoras e prestigiadas publicações periódicas especializadas em História e em Direito: a revista Penélope. Fazer e desfazer a história (1988-1995) e a revista Themis, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (1999-2003).
Entre 1995 e 1998, dirigiu a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, a partir da qual estimulou a renovação dos estudos sobre o império português, contribuindo de forma decisiva para a construção de uma história polifónica desse império, na qual todos, europeus e não europeus, pudessem ser considerados. Os livros Imbecillitas. As Bem-Aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime (2010) e Filhos da Terra. Identidades Mestiças nos Confins da Expansão Portuguesa (2019) testemunham esse olhar desassombrado, constituindo-se, de maneiras diferentes, como reflexões imprescindíveis sobre a história e a identidade portuguesa.
O seu percurso académico e cívico, bem como a sua personalidade, com o entusiasmo contagiante que muitos testemunharam, a sua generosidade científica e a sua capacidade, sem paralelo, de formar pessoas, professores e investigadores, os muitos projectos que tinha entre mãos, serão certamente continuados e lembrados durante muito tempo.
Ângela Barreto Xavier, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Cristina Nogueira da Silva, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
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