Opinião

São rosas, senhor

A caminho do défice zero. Num país onde a qualidade da governação é, até demais, avaliada com base na capacidade de manter as contas públicas sob controlo segundo os critérios numéricos que nos chegam de Bruxelas, são grandes notícias para o Governo.

Para além desse aspeto mais imediato a verdade é que o défice, como a temperatura do corpo humano, não deve ser demasiado alto, sob pena de se acumular dívida pública que retira margem a uma governação equilibrada, capaz de cuidar o presente e lançar as bases do futuro, mas também não deve ser demasiado baixo, sob pena de não se cuidar ou o presente ou futuro ou ambos, e depois não há Economia que possa crescer.

Dito isto, o que é preocupante não é tanto a ligeira subida da carga fiscal em percentagem do PIB – ela resulta, não de aumentos de impostos, mas de um melhor andamento da Economia, que implica mais pessoas a pagar impostos e isso não é mau –, subida essa, aliás, que nos mantém alinhados com a média dos países com economias maduras, como a nossa. Diga-se, aliás, que uma percentagem importante daquilo a que chamamos aumento de carga fiscal resulta da baixa do desemprego, uma vez que o pagamento da TSU à Segurança Social conta para a carga fiscal.

O que é verdadeiramente preocupante é que o investimento público não arranca nem por nada. O investimento público cuida o futuro. Um hospital que não se constrói hoje fará falta amanhã e nessa altura teremos de viver com as consequências dessa falta e os seus impactos sobre a vida dos cidadãos, mas, também, sobre a Economia e a sua capacidade de crescimento.

Mário Centeno, claro está, sabe isto, e sabe isto melhor do que ninguém. Investimento público de qualidade é igual a mau investimento público quando se trata de calcular o défice nominal, mas é muito diferente quando se trata de calcular o potencial de uma Economia.

Tem faltado coragem para trocar défice presente por PIB futuro? Têm faltado projetos de investimento público com maior qualidade quanto ao impacto na Economia? Depois de anos e anos de austeridade, deixámos de saber ambicionar um País melhor? Não sei.

Sei que o legado desta legislatura é a morte do mito de que a esquerda não sabe gerir as contas – sabe -, mas convinha que não fosse também a morte da ideia de que a esquerda governa segundo os seus ideais.

O legado desta legislatura, espera-se, é o de ter deixado bases sólidas duradouras do ponto de vista das contas públicas. O legado da próxima, exige-se, é usar isso a favor de melhores políticas sociais, melhor redistribuição de rendimentos, mais investimento público e alguma contenção na tributação dos rendimentos do trabalho. A medida dos passes é um bom sinal. Venham outras.

Um Estado que não muda vidas para melhor é um Estado que, a mim, não me serve.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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