O evento: o Programa de Estabilidade
Depois da conturbada escolha do novo presidente da Assembleia, de uma tomada de posse sem o líder da oposição presente, de um elenco governativo criticado à esquerda e à direita e de uma apresentação do programa de Governo previsivelmente acesa esta quarta-feira, Luís Montenegro contará com mais um momento de potencial impasse político durante o mês: o Programa de Estabilidade.
Com a lei de enquadramento orçamental a prever que o documento chegue à Assembleia da República antes de dia 15 e a Bruxelas até dia 30 de abril, o PSD terá de decidir que metas e políticas inclui, sabendo que estas serão pelo menos debatidas no parlamento. Caso algum partido da oposição apresente um projeto de resolução contra ou em alternativa ao Programa de Estabilidade (não o de Governo), Montenegro corre o risco de chegar ao Conselho Europeu com a sua falta de apoio parlamentar ‒ e de condições de governabilidade ‒ exposta em aberto.
As consequências desse ‘chumbo’ seriam exclusivamente políticas, mas não menos relevantes por isso. Nada acontecerá ao Governo se o Programa de Estabilidade for vergado na Assembleia da República, além de demonstrar que poucas coisas acontecerão com este Governo e com esta Assembleia a partir de agora. Será mais uma demonstração de impotência de quem acabou de chegar ao poder do que um derrube propriamente dito, como se suspeita que poderá acontecer com o chumbo, mas do Orçamento do Estado, em novembro.
Para o PS, numa ótica política, trata-se de uma oportunidade perfeita. Dias depois de inviabilizar a queda de Montenegro, não votando ao lado do PCP uma moção de rejeição ao programa do Governo, Pedro Nuno Santos terá o espaço para um gesto de força que não só isola o PSD como o confronta com a sua fragilidade neste quadro parlamentar.
O facto de não haver consequências concretas ou nefastas para o país isenta-o de responsabilidades, limitando-se a causar um enorme desconforto ao novo primeiro-ministro. Ao contrário de um chumbo orçamental, que encaminha o país para eleições ou a governação para duodécimos, chumbar o Programa de Estabilidade na Assembleia significa apenas dizer: estes senhores não representam estabilidade nenhuma. Para o Partido Socialista, trata-se de um win-win quase irresistível. Ademais, quando o PSD nem se compromete a conversar para um retificativo, dificilmente o PS se sentirá obrigado a viabilizar um Programa de Estabilidade quando já terá feito o mesmo para o que realmente conta: o programa do Governo.
Para o PSD, por outro lado, a escolha é entre dois maus cenários. Ou reapresenta o Programa de Estabilidade de Medina, o que deitaria por terra a fiabilidade do seu cenário macroeconómico, ou transpõe as metas e medidas do programa eleitoral da AD para o Programa de Estabilidade, o que roçaria a provocação aos partidos da oposição. Sendo que este visará os anos que completariam a atual legislatura (2024-2028) será difícil para a AD fugir à perceção de cedência ou persistência do seu programa.
Dito de outro modo: ou o PSD abdica de si próprio para passar entre as gotas da chuva, sendo de seguida acusado de deixar cair promessas em menos de um mês de Governo, ou insiste nas previsões otimistas do seu programa e no alívio fiscal que defendeu, sendo de seguida humilhado na Assembleia, com um Programa de Estabilidade vexado.
Nenhuma das duas proporcionará um primeiro mês feliz para o executivo de Montenegro.
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