Talvez gostemos muito de séries violentas porque exprimem a possibilidade daquilo que os humanos conseguem ser. Na ficção, há limites que nem sequer suporíamos pensar em pôr em causa, e que damos por nós a adorar serem pisados e ultrapassados, desde que tomemos por legítima a razão do autor dessa violência, acrescento. “Mobland”/“Terra de Bandidos” (na Sky Showtime) explora o filão luzidio da violência sem comportas, respeitando essa tendência indispensável de mostrar bandidos cheios de moda e estilo que estas séries parecem não dispensar ultimamente. No primeiro episódio perceberemos que haverá uma guerra de gangues e compreenderemos com satisfação que o nosso ponto de vista é Tom Hardy, o fixer (i.e., o tipo que resolve as coisas) do gangster número 1 em guerra com o gangster número 2. Um elemento jovem e parvo de uma das famílias acaba por cometer um erro com consequências na temporada inteira, e Hardy mata, esfola, conduz, dispara. Outros personagens vão sendo envolvidos para nosso gáudio. Hardy, um ótimo ator, não parece estar ali forçado e, talvez por isso, queremos estar sempre a ver o que anda a fazer, sabemos bem que a violência é a fingir, mas, já agora, vamos ver até onde tudo nos leva.
O argumento corre ao sabor da ação. Não há grandes mistérios, apenas traições das quais somos devidamente sinalizados por movimentos de câmara e expressões faciais, suspeita-se que um dia será oficial e assumido que estas produções são feitas para um espectador meio adormecido e distraído. “Mobland” tem travos de humor, alguma britishness e muita ambição, basta avaliar a proposta pelo lote de atores. Aqui, a expressão ‘elenco de luxo’ apropria-se. Tom Hardy, Helen Mirren, Pierce Brosnan e uma série de atores que identificaremos rapidamente (muitos deles de “A Guerra dos Tronos”) vão preenchendo personagens, nem sempre tão bem escritos como mereceriam (em especial estes dois últimos, provavelmente seduzidos por cachês irrecusáveis), mas que acabam por cumprir as intenções com capacidade suficiente. É impossível ficar indiferente ao carisma e experiência dos nomes, faz-nos sentir que o investimento de atenção é meritório.
Tinhosos e sem escrúpulos, quase todos os personagens em “Mobland” se inclinam alegremente para a violência, como se os tiros, as marteladas e as facadas fossem soluções evidentes para os problemas da vida. Como estamos dentro do enquadramento, acabamos por esperar que assim seja, queremos mais, perdido por cem, perdido por mil. Talvez seja o mesmo tipo de apetite sentido quando vemos um documentário sobre exploradores, navegadores solitários, alpinistas e mergulhadores. Existe uma catarse de que estávamos mesmo a precisar, quem sabe ver tanta violência e tão gráfica nos ajude a libertar alguma pressão. Contemos com os habituais ambientes de cidade e ambientes de zonas limítrofes, que puxam para as atmosferas de crime e moral duvidosa, mas é de sublinhar que uma parte importante de “Mobland” se passa numa casa gigante na zona dos Cotswolds, onde muitos ricos ingleses parecem ter refúgio. Não será casual. Já não é possível fazer séries ambiciosas, que os produtores haverão de desejar que contabilizem várias temporadas, sem ter um design de produção ao mais alto nível. Como sessões fotográficas na revista “Vanity Fair”, o luxo comanda esta vida, tornando de uma importância primordial o papel daqueles a quem cabe encontrar cenários, decorá-los, iluminá-los e dos que têm de escolher as roupas e adequá-las aos personagens. Na era do streaming, são profissões com alta procura.
Assim, várias vezes em “Mobland” a complexidade e sofisticação são mais de estilo que de substância, sem que venha grande mal ao mundo. As incidências são quase lineares, até as consequências das surpresas são simples de entender, com as inspirações shakespeareanas a serem facilmente entendíveis. Aquele marido/pai poderá confiar na mulher e nos vários filhos, filhas e cunhadas? E estes? Podem confiar nele? O que move uns e outros? Cobiça, ódio, orgulho? Do nosso lado, o que podemos dizer é que o tempo passa rápido a ver os episódios e que o entretenimento é bem assegurado. “Mobland” é daquelas séries que sabemos ter bastantes fragilidades e que, mesmo assim, damos por nós a recomendar.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt