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“Amigos e Vizinhos” pode ser finalmente a merecida segunda vida de Jon Hamm, o célebre Don Draper, de “Mad Men”

Em “Amigos e Vizinhos“ (na Apple TV +), Jon Hamm (que conhecemos de “Mad Men”) perde tudo o que tem, ainda o primeiro episódio não vai a meio. Foram-se a casa magnifica, a mulher incrível e os filhos mimados, bem como o emprego extremamente bem pago. A culpa é dele? Só se for por ter trabalhado de mais, mas o que fazer se convém aos argumentistas que um homem de meia-idade bem-apessoado fique sem nada, nem sequer o amor próprio?

“Amigos e Vizinhos” é outra série de ricos, uma obsessão nos serviços de streaming e, em consonância, Jon Hamm pode estar sozinho e sem emprego, mas guia um Maseratti na mesma e tem um Amex Black Card com o qual paga todos os caprichos da mulher que o deixou.

Fala-se de muita coisa e eu acho que se devia falar mais do dinheiro disponível para fazer séries assim. Esta, por exemplo, tem canções dos Blur e dos Radiohead a tocar, coisa muito cara de conseguir, sobretudo garantindo direitos para todo o mundo. Para lá dos carros, joga-se ténis e golfe, há casas e festas glamorosas, bebem whisky japonês com mais anos do que a própria Escócia, há Patek Philippes e Richard Miles em gavetas, vinho caríssimo e muito sexo entre pessoas atraentes e com boa pele. Este aparato é muito importante para estabelecer a viagem (é assim que se diz) que o nosso personagem virá a fazer ao longo dos episódios. O tropo não é original, mas Hamm tem aqui o papel onde talvez consiga sacudir de vez Don Draper, que foi tão marcante e culturalmente decisivo que lhe condicionou a carreira durante os largos anos a seguir.

O que podia ser uma série previsível, aborrecida e chata, cheia de eye candy, piadolas machistas e tensões próprias da meia-idade dos personagens, revela-se ser outra coisa, conseguindo mesmo superar os lugares comuns do rico que descobre que sem a riqueza não é nada, a não ser um monte de carne. Hamm consegue pegar bem no texto e demonstrar que que é capaz de mais do que fez com Draper, em “Mad Men”.

Acresce que para consolo do nosso lado mais preguiçoso, “Amigos e Vizinhos”, também tem ação. Hamm acaba por se tornar numa espécie de Robin dos Bosques que foi rico e agora não é e que que rouba os seus vizinhos muito muito ricos, sem escrúpulos nem hesitações (ou sequer preocupar-se com as impressões digitais).

Os assaltos têm graça e são emocionantes, não me canso de insistir mais uma vez que as casas, as cozinhas, os closets, as roupas, os adereços são de truz, mas a série consegue sempre dizer-nos que é mais do que isso. Há uma espessura de que nos vamos apercebendo do outro lado do muro. Afinal a ex-mulher não é uma megera, os filhos vão-se transformando, há amigos interessantes, aliados inesperados, cúmplices com piada e a questão da vingança e dos novos aliados: afinal de contas, fizeram-lhe a cama quando o despediram do fundo de investimento onde trabalhava. O espectador espera uma retificação.

É verdade que a série, quando se humaniza, perde algum do gás de entretimento que prometia, ainda que seja bastante fácil de seguir (o que é uma qualidade).

Como em “Mad Men”, Jon Hamm acosta-se com muitas mulheres, o que tem sido raro nas séries mais recentes, faz visitas ao submundo do crime, vamos confirmando que certos personagens deixarão cair a pele do lugar-comum.

Melhor do que prometia, “Amigos e Vizinhos” poderá valer uns prémios a alguns dos atores – para além de Hamm, a atriz Olivia Munn, bem como a sua ex-mulher na série, vestida por Amanda Peet, pode triunfar em qualquer coisa.

Sugestão 1

A vida de Luis Enrique, o treinador do Paris Saint-Germain que venceu a Champions League há uns dias, está na Amazon Prime em três episódios. Chama-se “No Tenéis ni **** Idea” e apetece ver, até porque muita gente descobriu a tragédia pessoal do treinador espanhol na senda da vitória na Champions e quererá saber mais sobre ele e o seu método.

Os documentários sobre figuras do desporto são quase sempre monótonos, porque encadeiam momentos gloriosos, com os momentos bons, os troféus, a consistência, as cavalgadas até ao topo e o ocasional sopro de frustração.

Aqui é um pouco igual, mas Luis Enrique, por ser quem é, evita bem o destino desse retrato previsível. Simpático, simples, divertido, o documentário permite conhecer mais do homem (e da família) e de um percurso que não começou nem fácil nem simples no PSG, sendo ao mesmo tempo francamente divertido e acima de qualquer outra coisa, muito humano.

Admirável a forma como aceita falar (e o que diz) da filha que morreu de cancro, com nove anos.

Sugestão 2

Sem querer ser maçador, “Sereias” (Netflix), é outra série de ricos, sobretudo de ricas, todas vestidas com mais cor do que um quadro de David Hockney.

Aqui, a magnífica Julianne Moore é uma mulher muito rica e muito poderosa e caprichosa. E cheia de mistério. Que se passa à sua volta que inspira receio e tensão? Ou não é nada, apenas impressão nossa?

A sua assistente pessoal é Milly Alcock (que conhecemos em “House Of Dragon”), que lhe tem um pavor de morte. Ou está a fingir? Existe uma irmã rebelde que aparece, um marido intrigante e um ramalhete de personagens que ajudarão às histórias. Onde “Amigos e Vizinhos” é liderada por um homem, esta “Sereias”, com pior dramaturgia e menos clareza no argumento, é conduzida por mulheres. Cuidado com o fim da história.

Até para a semana.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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