Bom dia,
No romance utópico "A Jangada de Pedra", José Saramago imagina uma Península Ibérica que se separa do resto da Europa e navega à deriva "sem remos, nem velas, nem hélices em direção ao sul do mundo". O escritor eternizado pelo Nobel da Literatura quis criar uma metáfora de aproximação aos povos "do outro lado do Atlântico" e teria, talvez, sorrido, com o apagão de ontem que afastou Portugal e Espanha da Europa e aproximou-os da América do sul: as luzes desligaram-se às 11h33 e só voltaram a acender-se, gradual e lentamente, durante a noite.
Segundo João Faria Conceição, administrador da REN, um blackout semelhante ocorreu no Chile em fevereiro deste ano e demorou "vinte e quatro horas" a ser corrigido. Por cá foram umas doze. O suficiente para o primeiro-ministro garantir que houve “capacidade de resposta, apesar de o Governo não ter dado qualquer explicação à população durante dez horas e de a Proteção Civil só ter mandado um SMS a pedir “serenidade” quando uma parte substancial do país já tinha luz.
Ainda não se sabe muito bem o que provocou o apagão em toda a Península Ibérica e nalgumas zonas do resto da Europa - o administrador da REN responsabilizou uma “grande oscilação de tensões na rede espanhola” que se propagou "a Portugal" - e explicou que estávamos numa "fase de importação de energia mais barata" e que por isso o apagão foi inevitável. O que provocou a "oscilação de tensões"? Conceição “não” sabe e foi honesto ao admitir que "não " pode garantir que não vai voltar a acontecer e que vai "demorar tempo" a perceber o que aconteceu.
E ficou claro que a informação responsável e profissional foi essencial para trazer alguma luz à escuridão: as fake news sobre um ciberataque e acidentes com aviões foram rapidamente desmentidas e não há relatos de pânico ou de falta de civismo, apesar das corridas aos supermercados que esgotaram os stocks de água engarrafada, comida enlatada e (sim aconteceu outra vez) papel higiénico.
Em Portugal, a consequência mais mediática deste blackout foi o adiamento do único duelo Pedro Nuno Santos - Luís Montenegro antes das eleições legislativas antecipadas de 18 maio. O debate entre os dois reais candidatos a primeiro-ministro ainda não tem data marcada e poderá ser decisivo para desempatar uma corrida em que o atual primeiro-ministro tem, segundo todas as sondagens, uma pequena vantagem.
O Expresso saiu à rua e testemunhou o trânsito caótico, os autocarros cheios, o Metro fechado (ainda não abriu, à hora do envio deste Curto) e, vá lá, um motivo para sorrir: os rádios a pilhas esgotaram na zona da Baixa de Lisboa e na Avenida Almirante Reis. Sem luz e sem bateria nos telemóveis, nada como um rádio fanhoso para seguir a atualidade. Houve empresas a fechar e os lisboetas aproveitaram a folga inesperada para uma imperial na esplanada e um passeio a pé na cidade das sete colinas. Quando a luz voltou, houve aplausos como se a seleção tivesse ganhado o Mundial.
Na realidade, ainda não se sabe a dimensão exata dos efeitos deste apagão: houve voos cancelados, o INEM esteve sem funcionar e os hospitais adiaram consultas e tratamentos não urgentes. As bombas de gasolina foram fechando ao ritmo do tempo de vida dos geradores e as caixas Multibanco deixaram de dar dinheiro. As luzes acenderam primeiro no norte do país e junto à fonteira com Espanha e só perto da meia-noite na zona de Lisboa. No País vizinho, onde tudo terá começado, os especialistas não sabem o que provocou este apagão inédito que devolveu a Península Ibérica à escuridão do século XIX
Na manhã desta terça-feira, a energia está reposta em quase toda a jangada.
OUTRAS NOTÍCIAS
No Canadá, o povo falou e elegeu Mark Carney para o cargo de primeiro-ministro. O candidato liberal tinha substituído o demissionário Justin Trudeau e venceu o conservador Pierre Poilievre. Os dois rivais rejeitam a proposta de Donald Trump para o Canadá se tornar o 51º estado norte-americano. A inusitada proposta do Presidente americano teve o efeito de permitir a Carney ultrapassar Poiliviere.
O conclave que vai escolher o sucessor do Papa Francisco começa no dia 7 de maio, anunciou a agência Ansa, citando fontes da Congregação Geral. 133 cardeais - o Colégio dos Cardeais - vão dar início a um processo que poderá prolongar-se durante vários dias até que chegue o fumo branco e o nome do novo líder da Igreja Católica. Os portugueses Manuel Clemente, António Marto, Américo Aguiar e Tolentino Mendonça participam na votação e podem ser eleitos para o trono de São Pedro.
A Rússia declarou um cessar-fogo para os dias 8 e 10 de maio, data em que celebra a vitória sobre as tropas nazis durante a II Guerra Mundial. Segundo o Kremlin, o Presidente russo, Vladimir Putin, ordenou a cessação total das hostilidades por "razões humanitárias" para o Dia da Vitória, a 9 de maio.
Arsenal e Paris Saint Germain disputam hoje em Londres a primeira mão das meias finais da Liga dos Campeões. Os franceses revalidaram o título de campeão nacional e têm na equipa titular as estrelas portuguesas Vitinha, Nuno Mendes e João Neves. Gonçalo Ramos nem sempre é escolhido para o onze, mas vai marcando uns golos. Os "gunners" estão em segundo lugar na Premier League que foi ganha pelo Liverpool. A única hipótese de um grande título é esta Champions.
Frases:
"Nunca vamos ter um sistema completamente seguro"
João Faria Conceição, administrador da REN, explicando que "o custo" dos sistemas de redundância não permitem garantir que um apagão não volte a acontecer.
"Apesar de todas as adversidades de crise inédita, os serviços mantiveram-se em funcionamento e o Estado mostrou capacidade de resposta"
Luís Montenegro, que falou ao País já depois da normalidade ter sido reposta.
“A gestão de comunicação numa qualquer crise nunca é fácil, mas hoje exigia-se mais informação e celeridade por parte da Proteção Civil!”
Pedro Nuno Santos a usar o ponto de exclamação como forma de indignação.
"Isto já parecia um filme de ficção cientifica"
Lisboeta espantada por estar a viver um episódio do Black Mirror.
“Montenegro visita maternidade para mostrar que tem luz eléctrica. Vá lá, encontrou uma maternidade aberta”
António Filipe a mostrar potencial humorístico
PODCASTS DO EXPRESSO
🕯️ Que apagão é este?
O Expresso da Manhã tenta responder à pergunta de um milhão de euros com as explicações de Miguel Prado, jornalista especialista em energia.
💵Economia dia a dia
Ontem foi o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho: o que nos dizem os números sobre a realidade portuguesa?
O que eu ando a ler
O que fomos e o que somos
Lena d' Água
Letra e música Pedro da Silva Martins
O que fomos e o que somos
Já pouco reconhecemos
A correr atrás dos sonhos
Tantos erros cometemos
É algo que não se explica
O amor que ainda temos
No azar que lamentamos
No tempo que nós perdemos
No escuro em que mergulhamos
Há sempre uma luz que vemos
E é nessa maravilha
Que nós dois ainda cremos
E queremos lá saber
Qual a sorte que nos espera
Dia a dia na rotina
Vir à tona e respirar
Há sempre uma primavera
Quando o inverno passar
A história da segunda vida de Lena d'Água merecia uma ode, um filme ou uma canção. Assim de repente não me lembro de um caso de uma diva pop que regresse trinta anos depois da fama com discos e canções melhores do que no auge da carreira. Vi-a no 25 de abril num concerto num coreto em Carnide e dá-se o milagre de a voz permanecer límpida como no tempo dos Salada de Frutas. E as músicas, escritas agora por Pedro da Silva Martins, dos Deolinda, entusiasmam uma nova geração de jovens fãs meio hipsters que saltaram para a frente do coreto assim, que a banda tocou os primeiros acordes de "Hipocampo", uma grande, grande canção.
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