Vivemos tempos de fogo e de polarização, já o sabemos. Hoje, pela nossa hora de almoço, Donald Trump anunciou triunfalmente à Fox News: “Acho, com um alto grau de certeza, que o apanhámos”. Referia-se a Tyler Robinson, de 22 anos, o principal (e, que se saiba, único) suspeito da morte de Charlie Kirk, o ativista ultraconservador que foi decisivo na vitória do republicano nas últimas eleições, como bem o explica, neste artigo de opinião, Ricardo Costa.
O governador do estado do Utah, também ele republicano, fala num “assassinato político” e num “ataque à experiência americana”. Na conferência de imprensa em que foram dados detalhes sobre a detenção (pré-anunciada com a divulgação de imagens por parte do FBI e que foi feita ontem à noite), foi ainda revelado que nas balas não disparadas encontradas na arma de Robinson havia inscrições como “fascista, toma” e referências a “Bella Ciao”, uma canção popular que se tornou um hino da resistência italiana contra o fascismo durante a II Guerra Mundial.
Às vezes, quando olhamos para a realidade de cá, as coisas parecem-nos menores, ainda que a contaminação geralmente tarde mas não falhe – o que é em si mesmo assustador. O grande risco deste homicídio a sangue frio é o de aumentar ainda mais a temperatura da guerra cultural e política nos EUA. Apesar de defender ideias completamente avessas a qualquer democracia liberal, nomeadamente face aos negros e às mulheres, Kirk fazia-o em debates abertos. Agora, o sentimento de vingança pode ser alimentado em torno de um mártir, como desenvolve neste artigo a jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos.
No hemisfério sul há polarização mas as instituições parecem estar bem mais sólidas: na noite de ontem, em Portugal Continental, o ex-Presidente brasileiro Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do país, por vários crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado. Todos os oito réus foram considerados culpados de diversos crimes, com votos favoráveis de quatro dos cinco juízes do STF, que explicaram em depoimentos mais ou menos longos os factos mais relevantes que fundamentam a sentença. Inclusivamente, um desse juizes, Flávio Dino, fez um paralelo com o que tinha acontecido na véspera nos EUA.
“Ontem, infelizmente, houve um grave crime político. Um jovem, que é de uma posição política aparentemente ao lado do atual Presidente dos Estados Unidos, mas pouco importa, levou um tiro. E é curioso notar porque há uma ideia segundo a qual amnistia, perdão, é igual a paz. E foi feito perdão, nos Estados Unidos, e não há paz. (...) Às vezes, a paz obtém-se pelo funcionamento adequado das instâncias repressivas do Estado”, declarou.
Trump foi rápido a transmitir o seu desagrado pela sentença, algo absolutamente esperado. E a fação Bolsonarista parece virar-se precisamente para Washington, com Eduardo Bolsonaro a falar numa “resposta firme” dos Estados Unidos, ameaçando os juízes do STF. Marco Rubio, secretário de Estado de Trump, fala em “perseguições políticas” e garante que os EUA vão “responder de forma adequada a essa caça às bruxas”. Promete-se “guerra” fora e dentro da justiça, com recursos "inclusive no âmbito internacional". A luta pode não ser bonita.
Até para a semana.
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