A vida é vil

Quando um CEO de uma seguradora é morto a tiro, mande ramos de rosas ao SNS

Quando um CEO de uma seguradora é morto a tiro, mande ramos de rosas ao SNS

Ângela Silva

Jornalista

Luigi Mangione, 26 anos, acusado de ter morto a tiro o CEO de uma poderosa seguradora nos EUA. Por cá, o único CEO com a cabeça virtualmente a prémio é o do SNS
Reuters

Caro leitor,

Vale a pena fixar este nome: Luigi Mangione. É um jovem de 26 anos, está acusado de ter morto a tiro o CEO da UnitedHealthcare, uma poderosíssima empresa de seguros norte-americana, e o caso sugou as atenções do país onde um sistema absolutamente liberal, baseado em seguros, deixa milhões de americanos sem qualquer tipo de cobertura de saúde. Nem de propósito, a história de Mangione chegou-nos paredes meias com a conversa estafada sobre o nosso SNS, uma conversa que todos os anos aquece à medida que o inverno arrefece, e dei por mim a repetir a última confissão de Marcelo Rebelo de Sousa – éramos felizes e não sabíamos. Marcelo referia-se à crise de nostalgia que está a viver após o fim da sua estimulante relação com António Costa (oxalá Montenegro não seja ciumento) e nós somos uns ingratos com o nosso Serviço Nacional de Saúde.

Mangione é revoltado, patologicamente revoltado. Com elevadas qualificações académicas, oriundo de uma família rica e com um historial de participação política, assinou uma recensão crítica sobre o polémico livro “O Manifesto Unabomber”, onde escreveu isto: "O protesto pacífico não nos levou a lado nenhum e quando todas as outras formas de comunicação falham, a violência é necessária para sobreviver". A sua cabeça será um enigma, mas os milhões de norte-americanos que quando precisam de cuidados de saúde têm que pagar do próprio bolso preços proibitivos ou esperar que passe são como a vida dos pobrezinhos na fabulosa rábula de Herman José – "um mistério". O liberalismo na saúde é selva e o documento de três páginas que Magione deixou junto dos cartuchos de balas no local do crime é um manifesto contra as seguradoras, onde se leem rabiscadas palavras como “negar” e “atrasar”. Adivinhe porquê.

Nós por cá estamos calejados de atrasos, mas temos o conforto de um SNS que garante que a saúde não nos é negada e isso protege-nos do ressentimento que o caso Magione destapou contra as políticas de saúde americanas, agora entregues por Donald Trump a Robert F. Kennedy Jr., um negacionista das vacinas, e a um médico-celebridade conhecido por presenças no programa de Oprah Winfrey. Boa sorte! A Europa, teoricamente mais emancipada dos EUA mas forçada a repensar-se, anda às voltas com o Estado Social e tem uma certeza: dinamitar a garantia de que ninguém verá negados direitos e proteção é um crime de consequências imprevisíveis, num mundo mais radicalizado e a vomitar desigualdades sociais. Boa sorte a dobrar!

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