Como educar os jovens que vão viver mais de 100 anos

Jornalista
Na escola aprende-se muito mais do que a ler e escrever.” A frase é de Tânia Silva, professora do 4º ano em Vale de Carro, no Algarve, e ilustra a forma como os alunos de hoje são preparados para a longevidade. Num tempo em que a esperança média de vida tem vindo a subir de forma consistente — esta semana o INE divulgou dados deste indicador, que se fixou nos 78,37 anos nos homens, e 83,67 nas mulheres —, é plausível que as crianças nascidas em 2024 possam viver mais de 100 anos. Mas de que forma é que os adolescentes e jovens deste século são preparados para a sua longevidade?
São quatro as linhas estratégicas definidas pelo Ministério da Educação: saúde mental e prevenção da violência, educação alimentar e atividade física, comportamentos aditivos e dependências, afetos e educação para a sexualidade. No terreno, no entanto, os professores ainda se debatem com barreiras para cumprir estes pressupostos.
Na prevenção do tabagismo, por exemplo, apesar dos esforços que vêm sendo desenvolvidos, o tabaco continua a ser uma das primeiras causas evitáveis de sofrimento humano, incapacidade, morte prematura e perda de anos de vida saudável. “Abordamos estas questões no terceiro ano, faz parte do currículo”, explica Tânia Silva. O tema está incluído nas aulas de Estudo do Meio, mas “é transversal a várias disciplinas, como matemática, português e cidadania”. “Muitos dos alunos de hoje têm exemplos em casa, viram os pais a tentar deixar de fumar e a falhar. Mesmo assim, influenciados por terceiros, ou simplesmente por graça, começam a experimentar”, conta. O tabagismo tem início na adolescência e mais de 90% iniciou o consumo antes dos 25 anos.
Em Évora, o Agrupamento de Escolas André de Gouveia tem um protocolo estabelecido com a Liga Portuguesa Contra o Cancro. A ideia é apostar na prevenção do tabagismo e das doenças associadas. “Desenvolvemos atividades para aquisição de hábitos de saúde saudáveis, para que os nossos alunos tenham uma vida longa mas com saúde”, explica a Conceição Marinho, professora e coordenadora do projeto Educação para a Saúde. Não se trata apenas de prevenir o tabagismo: viver com saúde passa também por uma alimentação saudável. “Fazemos sessões para prevenir o tabaco, mas também direcionadas para a alimentação, organizando lanches e refeições saudáveis para que os alunos percebam que é possível comer bem, de forma agradável e saudável”, explica, dando ênfase à necessidade de promover a literacia dos doces: “Organizámos uma palestra com uma nutricionista para falar dos açúcares escondidos, que teve uma enorme adesão. Os alunos percebem que alguns comportamentos não são benéficos.”
Os bons hábitos alimentares estiveram também na origem do projeto Frutificar, em 2016, destinado a 800 alunos das escolas de Amarante. O objetivo é distribuir frutas e produtos hortícolas de forma gratuita, fazendo simultaneamente sessões de educação alimentar em todos os jardins de infância do município. Foram também introduzidas algumas mudanças na alimentação providenciada pelas escolas. “Deixámos de ter o leite escolar com chocolate”, explica Sara Bastos, nutricionista que pôs em prática o projeto de alimentação adequada e igual para todos os alunos.
“É na infância que se começam a criar hábitos saudáveis. Todas as semanas disponibilizamos frutas por várias turmas de 25 alunos, além dos programas de promoção de hábitos saudáveis. Trabalhamos muito a parte sensorial. Uma das atividades consistia em tapar os olhos aos alunos e dar-lhes a provar um alimento que tinham depois que adivinhar”, conta. “É nas idades mais tenras que se incutem bons hábitos. Porque não trocar o Bollycao por uma peça de fruta?”, questionou o presidente da Câmara Municipal de Amarante, José Luís Gaspar, que aposta em diferentes iniciativas para promover a longevidade das crianças e jovens do concelho.
Envolvimento dos pais é essencial na longevidade dos filhos, mas essa realidade muda depois do 9º ano
“Pensamos nas várias dimensões do conhecimento que qualquer pessoa terá na sua vida. Daí começarmos cedo, apostando na alimentação saudável, na vida ao ar livre, mas também em áreas como a literacia financeira.” Além de ser também uma aposta do Ministério da Educação — os manuais do primeiro ciclo ensinam, por exemplo, a noção de rendimento, despesa, orçamento —, Amarante estabeleceu um protocolo de cooperação com a Fundação Cupertino de Miranda e desafiou as escolas a participarem na iniciativa “No poupar está o ganho”, que envolve 10 turmas do pré-escolar ao 12º ano.
Quatro turmas venceram as Olimpíadas da Educação Financeira, que consiste em responder a um questionário de 60 perguntas sobre planeamento e gestão de orçamento, sistemas e produtos financeiros (meios de pagamento, contas bancárias, empréstimos e seguros). O objetivo é alertar os alunos para a importância do dinheiro e da poupança, contribuindo para que se tornem futuros consumidores mais informados e conscientes.
Uma componente importante da preparação para a longevidade é o desporto, para combater uma realidade dos dias de hoje: crianças e jovens sedentários. “As crianças nascidas nos anos 80 cresceram de forma mais solta. Pertenciam mais uns aos outros”, afirma o professor Mário Carvalho. “As de hoje usam sempre um intermediário para brincar, seja o treinador, pastor, catequista, e todas as atividades são muito direcionadas para alcançar resultados, em vez de uma lógica mais lúdica.” Outra característica que não ajuda é o excesso de tecnologia.
“O currículo é muito teórico e com poucas atividades extracurriculares”, aponta Carla Roque, presidente do Conselho Executivo da Escola Básica e Secundária de Santa Maria, nos Açores. Por outro lado, lamenta o pouco envolvimento dos pais na vida dos filhos. “Depois do 5º ano são muito ausentes. Eles sabem que vão viver mais tempo do que os pais, mas é preciso começar a trabalhar nesse sentido. A própria sociedade tem de pensar nisso.”
“O que pensas quando ouves a palavra velho? Esta foi uma das perguntas colocadas pelos técnicos da associação Stop Idadadismo, a 580 alunos do agrupamento de escolas Infante D. Henrique, em Viseu.Amigos de Todas as Idades, assim se chama o projeto, pretende sensibilizar as crianças para a existência do preconceito em função da idade com ações nas várias escolas do concelho. E à pergunta que lança a conversa, muitos demonstram um forte apego à família. “Ouvimos respostas como ‘quatro rugas, sorriso, avó ou carinho’”, conta José Carreira, fundador do movimento Ibero-americano Stop Idadismo. “Muitos dos estereótipos não estão enraizados nestas crianças. A preparação para a longevidade deve começar cedo, numa idade em que os alunos são capazes de absorver conselhos, para que venham a ser cidadãos de pleno direito, com respeito por todas as idades, e que possam eles próprios ter uma vida longa com qualidade.”
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