Longevidade

Parto, vacinas e alimentação. Segredos das crianças felizes

Carina Vaz Pinto engravidou na ilha do Príncipe e deu à luz em Portugal. Foi mãe depois dos 40 e vive com a filha numa quinta
Carina Vaz Pinto engravidou na ilha do Príncipe e deu à luz em Portugal. Foi mãe depois dos 40 e vive com a filha numa quinta
Crianças. A longevidade começa à nascença. É preciso um início promissor para quem vai viver mais de 100 anos. E são alguns os desafios que pais e recém-nascidos enfrentam
Parto, vacinas e alimentação. Segredos das crianças felizes

André Rito

Jornalista

Estava na ilha do Príncipe quando fez o teste de gravidez. Geria um lodge de praia e preparava-se para abrir um resort. Carina Vaz Pinto decidira naquela manhã não poupar nos testes que levara de Portugal: “Ali há pouco acesso a este tipo de produtos, é um país com bons profissionais de saúde mas com poucos recursos. Mas não os podia gastar à toa”, diz. Não precisou de mais nenhum, fez uma ecografia e confirmou: aos 41 anos estava grávida pela primeira vez.

Caley, a filha, agora com quatro anos, terá provavelmente uma longa vida. É o que vai acontecer às crianças nascidas na geração da longevidade. Se, por exemplo, nos anos 40 a esperança média de vida à nascença não ultrapassava os 56 anos, a verdade é que muitas das pessoas nascidas nessa década já vão nos 80. E quem nasce hoje pode muito bem esperar viver até aos 100. “É um cenário rea­lista”, diz o médico Manuel Caldas de Almeida, salvaguardando que o ritmo de crescimento deste indicador não será tão expressivo como foi até agora. “Vamos continuar a viver mais anos, mas esse ganho será mais lento a cada década.”

Mais ou menos lento, cabe aos pais a tarefa de assegurar um início de vida saudável com vista a uma vida longa. E isso começa logo no planeamento da gravidez. “Não se trata apenas de uma questão de saúde. A conceção deve ser algo mais abrangente, pensado, nas condições em que o bebé vai nascer, numa habitação digna com um ambiente saudável, nos cuidados de higiene. Tudo isto implica organização”, afirma a pediatra do Hospital de Santa Maria, Maria João Palaré.

A saúde nas crianças requer boa integração social e escolar, menos desigualdades, mais habitação e condições económicas

Foi a necessidade de melhores condições que esteve na origem da mudança de Carina para Portugal. Após a primeira ecografia — “feita numa máquina portátil” — voou para fazer a dos três meses no seu médico de família na zona de Almada. Depois regressou, fez uma ecografia por semana no Príncipe, e decidiu que queria ter a filha no seu país de origem. “Viajei no limite do que era permitido, grávida de oito meses. Tive uma gestação muito tranquila e vigiada. Nunca me assustou ser mãe depois dos 40 anos.”

Mesmo assim reforçou a alimentação saudável que sempre fez: acumulando o trabalho no lodge com o de uma multinacional de nutrição e suplementação alimentar, procurou reforçar-se com os nutrientes e suplementos que uma gravidez exige. E hoje, aos 44 anos, ainda amamenta a filha de quatro. “Agora, desde que entrou na escola, só de manhã e à noite. Mas até aos dois anos e meio foi quase bar aberto [risos].”

Mortalidade infantil

Voltemos ao início da longevidade, ao nascimento. Em Portugal, nas décadas de 50 e 60 do século passado, o parto era feito sem condições e, na maioria das vezes, em casa. “Tínhamos das piores taxas de mortalidade infantil do mundo, chegava a 80 mortes por mil nascimentos. Uma coisa absurda”, aponta o sociólogo António Barreto. “Talvez um terço das casas não tivesse água potável e isso faz uma diferença enorme.” Mas, com o 25 de Abril, alguma coisa começava a mudar. Foi criado um grupo de trabalho dedicado exclusivamente ao parto. “A principal medida deste grupo, composto por 14 médicos, de Braga, Porto, Coimbra, Aveiro e Lisboa, foi autonomizar a mortalidade infantil das restantes doenças”, conta o sociólogo, acrescentando que foi “o melhor exemplo de um governo democrático que decide delegar a competência num órgão técnico”. “Houve uma verdadeira convergência da capacidade técnica e científica com o poder político. Assim se fez a mais radical queda da mortalidade infantil na Europa.”

Adalberto Campos Fernandes acrescenta: “50 anos de democracia e 45 anos de SNS significaram um enorme avanço na redução da mortalidade infantil”. E diz mais: “A saúde infantil, do ponto de vista do sistema, passa muito por aquilo que Portugal faz bem: o acompanhamento adequado da grávida, um nascimento seguro, o pós-parto, o crescimento acompanhado. Em tudo nisso temos avançado e fazemos bem”, assegura o ex-ministro da Saúde.

No entanto, as desigualdades em Portugal ainda são demasiado evidentes para que os cuidados cheguem a toda a população. Com cerca de dois milhões de pessoas a viver no limiar da pobreza, o impacto na saúde é significativo: no parto, no acompanhamento, na integração das crianças, na sua vida social e escolar. “A sociedade atual tem informação para atuar de forma preventiva e criar adultos mais saudáveis, mas ainda existem barreiras económicas que dificultam o acesso a essa educação e informação. Ultrapassando essas barreiras, as famílias fariam escolhas muito mais saudáveis”, nota Mónica Ferro, diretora do Fundo das Nações Unidas para a População, no Reino Unido. “Viver em pobreza é uma violação dos direitos humanos. A longevidade é produto do investimento holístico antes do nascimento, é a chave das sociedades saudáveis. Mas isso requer investimento e políticas públicas”, acrescenta a diretora na ONU.

Em Portugal, parte desse investimento na saúde das crianças é feito através do Programa Nacional de Vacinação: a cobertura mantém-se acima dos 95%. “É uma das grandes conquistas no SNS”, explica Margarida Borralheiro, médica da Unidade Local de Saúde de Braga. Vigiadas nos cuidados de saúde primários, é nestas unidades que se promove “a visão holística do desenvolvimento da criança e onde se detetam problemas”. O fundamental até aos 10 anos? “Uma alimentação saudável, exercício físico e brincar.”

Quando veio para Portugal, Carina Vaz Pinto mudou-se para uma quinta longe da cidade. Precisava de espaço para os seus sete cães, oito gatos e agora uma égua e dois poldros. Mas queria também dar à filha uma infância como a sua: um lugar onde pudesse brincar no exterior, ter contacto com a natureza e uma vida tranquila. A rotina pouco agitada, a alimentação saudável, e tempo de qualidade são essenciais para a saúde, sobretudo nos primeiros anos de crescimento, e esta mãe sabe disso.

É o ano três do projeto Longevidade que o Expresso lançou, em 2022, com o apoio da Novartis. Em 2024 olhamos para os desafios por escalões etários, depois de no ano passado termos analisado as grandes questões do envelhecimento que se colocam às pessoas, às comunidades, às empresas e ao Estado. Agora que vamos viver mais anos, a meta é chegarmos novos a velhos.

Da gravidez aos últimos anos

A longevidade está na ordem do dia. Muitos têm sido os temas abordados nos jornais e em vários debates; da saúde ao trabalho, passando pela reforma, segurança social, envelhecimento saudável, entre tantos outros. Em dois anos, Portugal despertou para a transição demográfica e para o envelhecimento. Foi criado o primeiro Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável e vários centros de competências governamentais. É tempo de nos focarmos na longevidade desde a sua origem: com planeamento teremos uma vida melhor. É comum dizer-se que começamos a envelhecer no embrião. E se a palavra envelhecimento nos remete para a carga de doença que acompanha frequentemente a população acima dos 65 anos — somos dos países onde se vive mais, mas com menos saúde —, longevidade será o oposto: vida longa e saudável. Foi partindo desta ideia — de que a longevidade começa na primeira célula — que definimos o plano editorial para o terceiro ano deste projeto Expresso com o apoio da Novartis. Quais os desafios nos primeiros anos de vida? E na adolescência? E na vida adulta? Uma criança nascida em 2024 provavelmente viverá mais de 100 anos. Mas para sermos centenários felizes, temos de ter saúde. É por isso que devemos começar a ter cuidados e melhores hábitos desde cedo. Acompanhe o projeto ao longo do ano no semanário e no online.

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