Na estrada, Sampaio cumpria o ritual das campanhas, com "profissionalismo" e serenidade. Ele nunca o disse, nem diria, mas a volta pelo país servia apenas para ritualizar a democracia. Na última semana, com muitos dias de frio e chuva sem piedade, a dois ou três dias do fim, Sampaio, como os outros, era convidado do Jornal da Noite da SIC. O modelo funcionava com o pivot do Jornal no estúdio em Lisboa e os candidatos entravam em direto para responder às perguntas a partir do local onde estivessem nessa noite.
Sampaio estava em Aveiro. Pouco depois faria um comício no centro de congressos. Chegou com pontualidade britânica. Depois de equipado com microfone e auricular, sentou-se num sofá grande, de couro, e teve de esperar uns minutos até começar o direto. Estava tudo pronto. O candidato afundou-se no sofá, convidativo, e ali ficou. À espera. Fechou os olhos.
Na sala estavam um ou dois assessores, o repórter de imagem, o assistente e eu. Todos de auricular para ouvir a entrevista e as indicações da régie. Sampaio continuava de olhos fechados. De repente fez-se um silêncio.
Entreolhámo-nos todos. Teria adormecido? Os olhos continuavam fechados.
A pouco mais de um minuto de começar a entrevista, Sampaio estava afundado no sofá. Nem se movia. Nada mexia. Conseguíamos ouvir o silêncio. Na régie, provavelmente, a dúvida era a mesma. Teria adormecido? A menos de um minuto de começar, ouve-se no auricular a voz do realizador, muito serena e num tom muito relaxante:
- Senhor Presidente?
Sampaio não reagiu.
Mais uns segundos. Nada. Outra vez, no mesmo tom:
- Senhor Presidente? Está a ouvir?
Faltavam uns 20 segundos.
Sampaio pôs-se direito na sofá.
Respirámos todos de alívio.
Abriu os olhos e disse:
- Vamos lá a isto!
Faltavam dez segundos.
Nunca nenhum de nós percebeu se tinha realmente adormecido por uns minutos ou se estava só a pregar uma partida.
Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.
- Boa noite, dr. Jorge Sampaio...
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