Legislativas 2019

Iniciativa Liberal. Eles querem ser os “rebeldes responsáveis” do Parlamento

Iniciativa Liberal. Eles querem ser os “rebeldes responsáveis” do Parlamento
MIGUEL A. LOPES/LUSA

O partido que nasceu de uma conversa de café chega à Assembleia da República quatro anos depois. Propõe “liberalizar o país”, política, económica e socialmente. Fez uma campanha “ousada” porque “não tinha nada a perder”

Se para alguns partidos as legislativas de 2015 representaram uma descoberta, como aquela que aconteceu com a união à esquerda, para outros foi razão de existência. Naquela noite, um grupo de pessoas que se contava pelos dedos de uma mão começava a pensar no que faltava a Portugal. “Não existe um partido liberal no Parlamento”, lembram agora, acabados de eleger o primeiro deputado à Assembleia da República.

Não era uma motivação de oposição à “Geringonça”, dizem, mas uma forma de trazer um discurso novo à política portuguesa. “E aí, se quisermos, vem a segunda motivação, não tão positiva: o debate político era mau, de má qualidade”, conta Rodrigo Saraiva, um desses primeiros membros do que viria a ser o Iniciativa Liberal (IL).

Desse grupo de quatro ou cinco passou-se para um jantar com 12 pessoas e depois para um evento com 30. Em pouco mais de três anos, o IL cresceu ao ponto de ter hoje cerca de 600 militantes. Conseguiu, na primeira vez que concorreu às legislativas, mais de 60 mil votos e o direito a entrar no Parlamento para fazer “oposição ao socialismo”. O normal seria perder, dizem, ainda mais “num ano eleitoral tão intenso”, mas a eleição de João Cotrim Figueiredo, o cabeça de lista por Lisboa, “é a prova de que havia liberais politicamente órfãos em Portugal”.

De entre as várias marcas do partido, nenhuma é tão evidente como essa: liberalizar, liberalizar, liberalizar. A política, a economia, a sociedade. O IL pede “um Estado que não atrapalhe”, centrando o discurso na carga fiscal (a que chama “opressão fiscal”), na máquina burocrática e nos “vários países europeus onde o liberalismo foi implantado e deu certo”.

Como medidas principais, destacaram-se durante a campanha a taxa única de IRS de 15% (com isenção para quem ganha abaixo de 650 euros), o Salário Mínimo Municipal (definido pelos municípios, em vez de pela administração central) e a progressiva eliminação do IRC.

Às acusações de que são contra o Estado social, respondem que “as pessoas devem poder escolher para que hospitais vão, para que escolas vão os filhos” e que a opção entre público e privado “deve estar aberta a toda a gente”. Porém, adianta Cotrim Figueiredo, “o sistema como está só é sustentável se houver crescimento económico”. Para o IL, durante estes quatro anos, não houve. “E nem precisamos de esperar pelos próximos quatro: o PS fala num crescimento de 1,4% e dá-se por contente.” Por isso, por mais que seja prematuro falar em acordos com outros partidos, há um caminho que querem deixar claro. “O PS terá uma oposição diferente”.

“Queremos sempre fazer diferente”

O partido nasceu primeiro como “movimento”, à volta de um manifesto inspirado no Manifesto de Oxford, de 1947, um documento onde se leem as bases dos princípios liberais. A tentar perceber “se havia mais gente” a pensar da mesma forma, os primeiros membros criaram uma página na internet com uma estética e conceito iguais aos da Wikipédia (guarde esta informação, porque haveriam de repetir a fórmula). Na plataforma, cada pessoa podia dar um contributo, juntar ideias, rebater outras, até formar um corpo comum. Foi assim que nasceu o Manifesto Portugal + Liberal, apresentado perante uma plateia de 80 a 90 pessoas.

Uma das cerca de 200 mil cartas criadas pela Iniciativa Liberal

Desde essa altura que o IL tenta viver no mundo real e no virtual com o mesmo à vontade. “Crossmedia”, explica Rodrigo Saraiva, cruzar ferramentas que permitam passar de um para o outro. Os cartazes com frases e imagens criativas ou humorísticas são colocados na rua, mas vão invariavelmente parar às redes sociais. Dão força ao partido, admite. “Em tudo o que fazemos, temos sempre uma premissa: fazer diferente.”

A última prova veio na reta final da campanha, quando o partido distribuiu perto de 200 mil cartas por Lisboa e Porto, que se faziam passar por notificações da Autoridade Tributária (ou Autoridade Extorsionária, como lhe chamam). Não foi preciso esperar muito para que a história corresse pelo Twitter e o partido desse novo salto, como já havia dado quando colocou ao lado de um cartaz do PS, onde se lia a palavra “Cumprimos”, um outro a dizer “ComPrimos”.

“O nosso desafio foi sempre o da notoriedade”, reforça Saraiva, hoje membro da comissão executiva do partido. Desconhecidos do grande público, os membros levaram para o partido muito do que aprenderam fora dele. Há os “mais analíticos”, que procuram olhar para os números e descobrir onde atrair novos eleitores, e os mais criativos, que dão corpo às ideias em bruto. O trabalho em áreas criativas e a juventude dos seus quadros e dos próprios eleitores ficaram visíveis na noite eleitoral, onde a maioria dos presentes estava na casa dos 40 anos para baixo. E numa campanha onde, admite Cotrim Figueiredo, “uma das surpresas foi a adesão de quem estava a votar pela primeira vez”.

Fazendo jus à ideia de partido novo, o IL começou por existir apenas digitalmente, com uma declaração de princípios que depois levou ao Tribunal Constitucional, que por sua vez publicou o acórdão de criação do partido em dezembro de 2017.

O primeiro líder foi Miguel Ferreira da Silva, que saiu menos de um ano depois. Na altura, já o IL ‘namorava’ Carlos Guimarães Pinto, o atual líder. “Para quem gosta de ler sobre o liberalismo, o Carlos já era uma referência há muito tempo”, conta Rodrigo Saraiva, que o conhecia do blogue O Insurgente e do livro “O Economista Insurgente: 101 Perguntas Incómodas sobre Portugal” (escrito com Miguel Botelho Moniz e Ricardo Gonçalves Francisco).

O piscar de olho foi recíproco e teve um momento-chave no 25 de abril de 2018, quando Guimarães Pinto sugeriu ao partido que, em vez de descer a Avenida da Liberdade como faziam todos os outros, a subisse. O repto foi aceite. O IL não só estava a fazer diferente, como “a confundir as cabeças que gostam de pôr tudo em caixinhas”. Afinal, aquele grupo de liberais participava na marcha do 25 de abril, sem ironias (mesmo que em sentido inverso). Estávamos perante um liberalismo à esquerda ou à direita? Ao contrário do que outros pequenos partidos têm feito, o IL não se define como pós-ideológico, mas também recusa a divisão. Rodrigo Saraiva fecha assim: “Somos o único partido que celebra o 25 de abril e o 25 de novembro”.

O líder deste grupo que se define como de “rebeldes responsáveis”, Carlos Guimarães Pinto, é economista e foi a principal figura da campanha. Pouco habituado à política, foi cabeça de lista pelo Porto, onde o IL não conseguiu a eleição. Por Lisboa, João Cotrim Figueiredo marca a estreia do partido no Parlamento. Foi diretor-geral da TVI e presidente do Turismo de Portugal. Defende que este é “apenas a primeira de muitas vitórias” e que será “implacável” a defender a “voz do liberalismo”. Distribui os louros da vitória pela “gente voluntária altamente motivada” que o ajudou e pelo próprio presidente do partido. E diz que as ideias da Iniciativa Liberal, políticas ou de campanha, “vão ser copiadas”.

João Cotrim Figueredo vai ser o primeiro deputado da IL
Alberto Frias

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