Legislativas 2019

Cristas e Lobo Xavier lembram o que “unia” o CDS a Freitas e deixam mágoas para trás

Cristas e Lobo Xavier lembram o que “unia” o CDS a Freitas e deixam mágoas para trás
NUNO BOTELHO

O dia foi de reboliço na caravana do CDS, com a notícia da morte do fundador do partido Freitas do Amaral a obrigar a mudanças de planos para o final da campanha. A reação demorou, mas a arruada e comício finais acabaram cancelados. De noite, Cristas e Lobo Xavier falaram de união e evocaram boas memórias

Cristas e Lobo Xavier lembram o que “unia” o CDS a Freitas e deixam mágoas para trás

Nuno Botelho

Fotojornalista

O momento do dia:

Terá sido, sem dúvida, um dos momentos mais marcantes e que ficarão para a história desta campanha: o momento em que, durante um corriqueiro almoço com as estruturas locais de Barcelos, a comitiva recebe a notícia da morte do fundador do partido. A reação demora uns minutos a surgir, mas é Cristas que improvisa e pega num microfone para anunciar a notícia à sala e transmitir as primeiras palavras de pesar. De estranhar foi a opção de, minutos depois, decidir ainda assim fazer um curto discurso de apelo ao voto.

A frase:

“Na galeria dos nossos fundadores, na sede, Freitas é o primeiro retrato. Nenhuma das escolhas que fez, por muito que nos desagrade, apaga a marca que deixou na nossa História”.
António Lobo Xavier sobre Freitas do Amaral

O personagem:

Parece repetitivo, mas é incontornável: o nome de Freitas do Amaral foi obviamente o que marcou e engoliu todo o dia de campanha. Foi um momento importante para toda a política, mas sobretudo para o CDS, que tinha em mãos um dossiê difícil de gerir: se por um lado Freitas fundou o partido e tem uma relevância histórica impossível de negar, por outro são ainda evidentes as mágoas no partido pela opção de se desfiliar, nos anos 90, e de mais tarde aceitar o convite para ser ministro de José Sócrates.

A fotografia:

Cristas decidiu fazer do jantar-comício do CDS uma homenagem ao fundador
NUNO BOTELHO

Pelas nove e meia da noite, a sala portuense que recebeu o jantar final de campanha do CDS era silêncio total. Os militantes e simpatizantes que ali se encontravam respeitaram o minuto de silêncio - o terceiro do dia - pedido por Assunção Cristas e fitaram durante 60 segundos uma imagem do símbolo do CDS a preto e branco, sem dizer nada. Era tempo de enterrar os machados de guerra que ainda existiam, pareceu pedir a líder, num evento em que assumiu que Freitas chegou a ser o seu “ídolo” e em que preferiu recordar o legado do fundador ao seu afastamento do partido.

A tomada de posição não foi clara logo à partida. E a história deste dia de campanha, que de repente começou a girar à volta de um assunto apenas, começa à hora de almoço desta quinta-feira, estava Cristas com Nuno Melo, Telmo Correia e algumas dezenas de integrantes das estruturas barcelenses a almoçar no centro da cidade. Foi por essa altura que começou a circular a informação que marcou o dia: a notícia da morte de Diogo Freitas do Amaral, fundador do partido.

A agitação foi evidente: durante alguns momentos, começaram a repetir-se informações contraditórias sobre a continuidade ou o cancelamento da campanha. Cristas reagiu. Tomando a iniciativa de interromper o almoço, fez uma declaração rápida em que elogiava a “coragem” de Freitas e lhe agradecia a fundação do partido, pedindo a quem ali se encontrava um minuto de silêncio. Minutos depois, a campanha transmitia que haveria “ajustes” à agenda, sem se saber quais. E a líder fazia um discurso de apelo ao voto perante aos militantes, apesar de ter acabado de declarar a necessidade de “sobriedade” no que restava de campanha.

A confirmação sobre o cancelamento de parte das ações de campanha agendadas para esta sexta-feira só chegaria de noite, já depois de Cristas ter visitado a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viana do Castelo (e também ali ter pedido aos estudantes um minuto de silêncio em memória do “académico” Freitas do Amaral). Na sala marcada para o que supostamente seria um grande jantar de encerramento (embora houvesse apenas 350 lugares postos à mesa), um ambiente que denunciava a estranheza do momento.

O elefante na sala

Se Freitas fosse ‘apenas’ um fundador do partido, não existiriam dúvidas sobre o dramatismo que seria preciso emprestar à reação da líder e do CDS. Mas com a desfiliação em 1992, em desacordo com o rumo antieuropeísta do partido, e a posterior aproximação ao PS (Freitas chegou a ser ministro de José Sócrates), havia um elefante na sala: como lidar com a morte de uma das figuras maiores do partido, que por sua opção havia deixado de o ser - e, mais recentemente, se reaproximara de novo?

A opção foi por não alimentar mágoas e exaltar os méritos de Freitas. Numa sala que tinha como pano de fundo um ecrã onde passou um vídeo com fotografias da vida política de Freitas (não faltaram fotografias da mítica corrida presidencial de 1986, ou registos na companhia de Paulo Portas e Adriano Moreira), não houve espaço para música ou grandes espalhafatos. Mas sim para discursos de evocação da memória do antigo líder, sem ignorar os incómodos que persistem junto de muitos militantes.

Da parte de António Lobo Xavier, que já era o convidado de honra da noite mas serviu também como ponte para as memórias de Freitas, a memória de uma “relação de amizade e lealdade”.

Por isso, o momento foi de lembrar o fundador - graças a quem, contou, o próprio Lobo Xavier se inscreveu no CDS. “Filiei-me em 1974 por causa do discurso de apresentação do CDS lido pelo professor Freitas e ouvido por mim na rádio. Estavam lá as marcas que eu procurava, de um partido democrata-cristão, europeísta, com aspirações de progresso e justiça. Esse era o discurso que também faríamos hoje se fundássemos o CDS ainda hoje”.

Em honra de um dos “fundadores da democracia”, Lobo Xavier puxou pelo que une o CDS a Freitas, em vez do que os separa: “O primeiro texto programático que li do CDS chamava-se ‘porque não somos socialistas’ - ou era dele ou inspirado por ele - e creio que ainda hoje subscreveríamos todo o seu conteúdo. Sabemos tão bem como há 45 anos que não queremos o socialismo”, frisou, para gáudio de quem o ouvia.

O barão não teve medo de pôr o dedo na ferida: o incómodo que ainda existia e pautava a relação entre Freitas e o partido era demasiado evidente para ser ignorado. “Encaremos as coisas de frente: bem sei que alguns militantes e simpatizantes conservam ainda uma mágoa sentida pela opção que tomou em determinada altura da sua vida política. Compreendo e aceito essa mágoa”, começou. Para fazer uma ponte: “Com este tempo que levo de partido, tenho para dizer que a nossa história não se reescreve e provavelmente sem ele não estaríamos hoje aqui. Para os primeiros tempos do CDS foi precisa muita coragem física e moral”.

“Na galeria dos nossos fundadores, na sede, Freitas é o primeiro retrato. Nenhuma das escolhas que fez, por muito que nos desagrade, apaga a marca que deixou na nossa História”, fez questão de frisar. E com isso levantou a sala. Sendo que na verdade, nos tempos de Portas, o retrato de Freitas chegou mesmo a desaparecer da galeria dos fundadores… e a ser enviado para o Largo do Rato. Mas isso eram outros tempos.

Cristas e o antigo ídolo

Depois veio Cristas, que atipicamente e graças à solenidade que o momento exigia entrou na sala sem pompa nem circunstância, sem músicas épicas nem cânticos de apoio. E decidiu dedicar todo o seu discurso ao fundador. Porquê? “Diz-se que nas famílias grandes as alegrias multiplicam-se as tristezas dividem-se, e por isso decidimos manter este jantar”, esclareceu.

Depois de (mais) um minuto de silêncio, uma espécie de perfil cruzado de Freitas e Cristas: a líder recordou todos os pontos em comum dos percursos de ambos, de uma das suas primeiras memórias políticas - as presidenciais de 1986, quando considerava Freitas o seu “ídolo” e vendo-o perder decidiu “hibernar muitos anos” para a política - aos caminhos que se cruzaram tanto na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como na Universidade Nova de Lisboa.

Depois, a rutura. Lembrando o “europeísmo” que levou Freitas a afastar-se do partido, Cristas fez também questão de salientar que no 40º aniversário do CDS o fundador falava assim da relação com o partido: “Continuamos irmãos, embora separados”. Por isso mesmo, considerou que, “mais do que sinalizar percursos que em dado momento se separaram”, o momento era de realçar “o que sempre nos uniu”: “Se estamos aqui todos juntos é porque nos revemos nos princípios fundadores do CDS”.

Depois de um dia de sinais contraditórios, a decisão acabou por ser mesmo de cancelar parte do último dia de campanha - sexta-feira, a partir das 15h, as ações que estavam na agenda, incluindo arruada no Chiado e comício final, ficarão sem efeito para que todos possam participar nas cerimónias fúnebres de Freitas. O anúncio foi feito por Cristas, que a seguir se sentou para jantar. Nas mesas à volta, aplausos de pé - mas também muita animação durante toda a refeição, que acabou por decorrer num ambiente mais alegre do que propriamente solene.

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