Cristas trabalha terreno pouco fértil (e acaba o dia com um amargo de boca)
NUNO BOTELHO
Faro e Coimbra, dois distritos em que a esperança de eleger deputados é pouca ou nenhuma, foram as moradas do CDS para este sétimo dia de campanha. Rua não houve; política sim, mas pouco. O fado dos estudantes quase deu uma noite agradável a Assunção Cristas, não fossem os gritos que abafaram a atuação: "Fascistas!"
"Aqui está a primeira pedra do hospital", graceja um membro da comitiva do CDS, agarrando uma pedra aleatória no meio de um terreno baldio. É que era suposto ter sido ali construído, desde 2007 - ano da primeira promessa nesse sentido, ainda no tempo de José Sócrates - o hospital central do Algarve. Até agora, nada. E foi esse grande nada que os centristas quiseram mostrar aos jornalistas, levando-os a esse ponto vazio no mapa do Algarve.
A frase do dia:
“O que registo é que em 24 horas tivemos o ministro dos Negócios Estrangeiros [Augusto Santos Silva], Carlos César e um antigo secretário-geral do PS a falar, todos no sentido da defesa do PS. Estes três nomes juntos para falar deste assunto querem dizer alguma coisa” Assunção Cristas, questionada sobre o artigo de opinião em que Sócrates ataca o Ministério Público
A personagem:
Não é uma, são várias; e não têm nomes ou identificação possível. O grupo que passou pela comitiva do CDS já de noite, em Coimbra, quando Assunção Cristas se preparava para ouvir uma série de fados clássicos de estudantes, desestabilizou o serão à comitiva. "Fascistas, vão para a Alemanha!" Os gritos encheram o largo durante todo o tempo que durou a atuação, provocando sorrisos amarelos entre os centristas.
A fotografia:
Cristas de visita ao Barrocal algarvio, com vista para as terras cultivadas e as queimadas pelos fogos que vieram de Monchique
NUNO BOTELHO
Depois dos banhos de gente de Aveiro, onde Assunção Cristas beijou e abraçou simpatizantes como se não houvesse amanhã (mas houve), um dia com receções bem… diferentes. O dia de campanha do CDS, que teve um verdadeiro esticão pelo meio (de Faro a Coimbra), concentrou-se em dois distritos em que os centristas não depositam grandes esperanças. Por um lado, o Algarve, onde têm um mandato que não contam segurar (e assim sendo perderão João Rebelo, antigo secretário-geral do partido). Por outro, Coimbra, onde hoje não têm nenhum deputado - e a perspetiva não passa de forma nenhuma por crescer.
Por todas estas razões, seria de estranhar se o partido gastasse muitas energias a fazer rua nesta terça-feira, sétimo dia de campanha oficial. Não o fez - o que não significou que se livrasse de um final de dia com um encontro indesejado e um amargo de boca (já lá vamos). Optou por uma agenda muito completa mas pouco política, percorrendo áreas setoriais importantes para cada um destes distritos. Política só mesmo quando Tancos se meteu, via Sócrates, na campanha - e Cristas não hesitou em responder à letra, em modo ‘ainda bem que me faz essa pergunta’.
Começando pelo início. No Algarve, após dois momentos em que João Rebelo se mostrou um cicerone eficaz (e um aluno empenhado em conhecer os problemas do distrito), com um encontro com agricultores e uma visita a uma empresa de peixe, a imagem do dia. Os jornalistas foram chamados a um ponto que se resumia a um pin vermelho no GPS, sem identificação concreta. Poderia ser o Hospital Central do Algarve, não fosse o facto de este estar prometido desde os tempos do primeiro-ministro Sócrates… e a construção não ter sequer começado, doze anos depois.
Ora era precisamente esse o ponto dos centristas. O grupo parou diante do nada, ou melhor, de um terreno baldio onde se vê pouco mais do que pedras soltas e areia alaranjada. Do hospital em que se investiram 250 milhões de euros, com promessas de construção repetidas de forma regular em todas as campanhas eleitorais (incluindo esta), nem sinal. Um membro da comitiva aproveitou o momento para fazer a graça: pegando numa pedra aleatória, apresentou-a como a primeira pedra lançada pelo “engenheiro Pinto de Sousa”. Os companheiros riram-se; nada como uma piada sobre Sócrates para animar a tarde.
O exemplo serviu para Cristas se atirar ao Governo nas questões da Saúde, considerando este um “escandaloso incumprimento” das promessas do PS - uma ironia para um partido cujo slogan é “cumprimos”, lembrou - e sublinhando que o tempo de espera para uma consulta de ortopedia no hospital de Faro é de mil dias. Então e Tancos? A pergunta voltou a ser feita, mas desta vez nada: a farpa do dia já tinha sido lançada pela manhã, quando Cristas disparou contra Augusto Santos Silva, Carlos César e Sócrates de uma vez só. Agora, era altura de entrar no carro e rumar a Coimbra.
Em Coimbra, uma surpresa amarga
Ora se sobre Faro Cristas disse apenas “esperar eleger” João Rebelo, sem grandes mostras de confiança, em Coimbra também não tem argumentos para acreditar em melhor sorte. Ainda assim, a estrutura local esforçou-se para providenciar uma mostra de força e lá se encontrava, composta, pelas 21h diante da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de punhos erguidos e bandeiras ao alto. Assunção saiu do carro, sorriu, elogiou a “força” e o ânimo dos centristas coimbrenses, rumou com eles pela descida do Quebra-costas.
Os sorrisos amareleceriam depressa. Ainda mal a comitiva tinha chegado ao pequeno largo onde planeava ouvir uns quantos fados do estudante quando se ouviu o primeiro grito:
- Fascistas!
Vinha de um grupo de pessoas que passavam rapidamente pela comitiva, sem nenhuma identificação que permitisse perceber se estavam ligados a algum grupo ou campanha ou se eram apenas transeuntes. Entre os centristas, expressões confusas e uma tentativa de resposta também não identificada: “Vão para casa…”.
Recompostos do percalço, lá se distribuíram pelas mesas onde as tábuas de enchidos e as garrafas de vinho puxavam para uma noite de convívio. Eis senão quando se ouviu, pela segunda vez:
- Fascistas! Vão para a Alemanha!
Desta feita, o grupo não estava em parte nenhuma que fosse visível desde o largo onde os centristas se sentaram a jantar. E a ouvir, mal, os fados: de vez em quando lá se ouvia uma nova série de gritos, sempre no mesmo sentido. O que havia a fazer? Sorrir - com visível desconforto - e tentar ignorar. De um lado, ouvia-se que “Coimbra tem mais encanto na hora da despedida”; do outro, o mesmo berro de sempre: “Fascistas!”.
Os insultos duraram exatamente o mesmo tempo que durou a atuação, entrando-se assim numa espécie de fado à desgarrada, para ver quem cantava ou gritava mais alto. Cristas não se deu por vencida e aproveitou o momento para defender a proposta do CDS para uma rede nacional para a Cultura, que junte património material e imaterial ou iniciativas públicas e privadas naquele setor. E os gritos, não estragaram a noite? “Não me incomodam gritos que não se podem dirigir a nós porque não têm nada a ver connosco”, disparou. O dia acabou como a resposta: abruptamente.