Luanda Leaks

Luanda Leaks. Os dias em que o Governo de direita se ligou à família dos Santos

Luanda Leaks. Os dias em que o Governo de direita se ligou à família dos Santos
TIAGO PETINGA/LUSA

Quando Portugal estava sem financiamento externo, a não ser o da troika, Passos vendeu o BPN, em 2012, ao banco BIC, instituição controlada por Isabel dos Santos. Rui Machete pediu desculpa pelos processos que corriam contra altos nomes da diplomacia angolana. Miguel Relvas defendeu empresas com capital misto. E Paulo Portas pediu que se evitasse "a judicialização" das relações entre os dois países

Luanda Leaks. Os dias em que o Governo de direita se ligou à família dos Santos

Fábio Monteiro

Jornalista

Se Passos Coelho, enquanto primeiro-ministro, foi alguma vez crítico dos negócios de Isabel dos Santos em Portugal, de tal não há registo. Como António Costa, o ex-líder social-democrata nunca deu sinais sobre dúvidas que pudesse ter quanto à origem do dinheiro da empresária angolana. Aliás, se Costa chamou Isabel dos Santos a São Bento, em 2016, para agilizar a entrada no BCP (que não chegou a acontecer), Passos autorizou a venda, a 30 de março de 2012, do BPN ao EuroBic (antigo banco BIC), instituição da qual Isabel dos Santos só agora deixará ser a maior acionista (42,5%).

Maria Luís Albuquerque, então secretária de Estado do Tesouro, tratou da venda - 40 milhões de euros - do BPN, que estava nas mãos do Estado desde novembro de 2008. Recorde-se: Pedro Passos Coelho tomara posse em junho de 2011 e o BPN estava no topo das privatizações que constavam no memorando da troika. O país estava sem acesso a financiamento externo e sequioso de investimento estrangeiro.

E não era só o Estado que tinha essa dificuldade. Não terá sido por acaso, apesar de já ter entrado em Portugal em 2005 pela mão de Américo Amorim, que muitos dos investimentos de Isabel dos Santos se concretizaram já depois de 2011. Por exemplo: nesse ano, a posição que a Caixa Geral de Depósitos tinha na Zon (atual Nos) foi vendida a Isabel dos Santos pelo Estado.

Do que há de memória escrita, Passos Coelho nunca manifestou reservas quando a Isabel dos Santos - ou Angola. Mesmo em 2013, quando Rui Manchete, ministro dos Negócios Estrangeiros, pediu desculpa publicamente pelos processos que corriam contra altos nomes da hierarquia angolana, o social-democrata esquivou-se a comentar.

“Tanto quanto sei, não há nada substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas e, naturalmente, informar às autoridades de Angola pedindo, diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na nossa mão evitar”, disse então Machete, numa entrevista à Rádio Nacional de Angola.

Na época, Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, desafiou Passos a dar uma resposta. “Não podemos aceitar que o ministro se ajoelhe, que peça desculpa por Portugal ser um Estado de direito”, afirmou. O primeiro-ministro ficou em silêncio.

Miguel Relvas e a visão neocolionalista

Além de Rui Machete, também Miguel Relvas foi (e é) um forte defensor do investimento angolano em Portugal. Em 2012, então como ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, em visita oficial ao país africano, chegou a afirmar: “Angola tem hoje uma classe empresarial que prestigia (o país) e que em conjunto com empresários portugueses estão a construir uma nova realidade, com empresas mistas de capital misto. Portugal e Angola estão numa fase que só vai permitir o crescimento.”

No início de 2018, Relvas falou à “TPA” a propósito do caso Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola, e a tensão que se vivia entre os dois países. “Angola é um Estado soberano e a situação que hoje estamos a viver é uma situação que, institucionalmente, é inexplicável”, afirmou. Na mesma entrevista, reiterou a inocência do político angolano. “Tenho a certeza que [Manuel Vicente] seria incapaz, como se irá provar, de cometer muitas das acusações que lhe são imputadas”, disse.

Passados alguns meses, em entrevista à “Renascença”, o ex-ministro voltou à carga: defendeu que “sempre houve uma imprensa livre” ao longo dos últimos anos em Angola e que há setores em Portugal que olham para o país “com uma visão neocolonial”.

Portas elogiado pelo Jornal de Angola

Paulo Portas, ex-líder do CDS, tem no currículo político uma particularidade. É talvez o único político de destaque a ter recebido elogios do Jornal de Angola – antes da saída de cena de José Eduardo dos Santos. Em 2016, já na oposição e em pleno congresso do CDS, o centrista criticou a “judicialização” das relações entre Portugal e Angola. “Apelo a todos - um apelo dirigido aos órgãos de soberania - a terem isto presente, a se lembrarem destes factos. A evitarem a tendência para a judicialização da relação entre Portugal e Angola”, disse o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, num congresso do CDS já no momento da sua saída para o mundo empresarial. Estávamos em 2016.

A Operação Fizz e a investigação ao ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, estavam então ao rubro. A mensagem de Portas assentava numa preocupação económica. O lugar que Lisboa deixar de ocupar em Angola “vai ser ocupado por outros países, se calhar os que se empenham em prejudicar as relações entre Portugal e Angola são exatamente os mesmos que gostariam de nos substituir em Luanda”, afirmou.

Enquanto fez parte do Governo, Portas foi sempre um grande defensor das relações comerciais dos dois países.

Em 2016, mas já com Assunção Cristas na liderança, o deputado Hélder Amaral protagonizou uma momento de embaraço, ao alegar que CDS e MPLA – dois partidos antagonistas ao nível ideológico – tinham então “muitos pontos em comum”. “Na primeira vez que nos convidaram, estamos presentes, queremos fortalecer essa relação, ela já existia em termos parlamentares e estamos no fundo a ver, a ouvir e a perceber melhor, a ver de que forma podemos ser úteis, a mostrar a nossa disponibilidade e no fundo tentar que se perceba que esses dois países têm ligações que ultrapassam qualquer dificuldade”, disse o deputado aos jornalistas, durante o congresso do MPLA em Luanda.

Na época, Cristas condenou as palavras de Hélder Amaral, mas Paulo Portas não comentou. O único partido com assento parlamentar a criticar o poder angolano foi o Bloco de Esquerda.

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