Desde há muito que a ilha mediterrânica do Chipre é uma encruzilhada geopolítica, um prémio disputado por impérios e um ponto de encontro de povos, de religiões – e de dinheiro.
Um espantoso dilúvio de dinheiro estrangeiro, principalmente russo, afluiu à ilha durante décadas, trazendo riqueza a alguns, mas deixando o Chipre com uma reputação de centro financeiro duvidoso.
Agora, uma investigação conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) com o Paper Trail Media e mais 67 parceiros de media, revela como o Chipre, um país situado no extremo oriental do Mediterrâneo e muito perto da Turquia, da Síria e do Líbano, desempenha um papel ainda maior do que se julgava na movimentação de dinheiro sujo para o regime autocrático do presidente russo Vladimir Putin e para outros ditadores brutais e figuras antidemocráticas.
Entre eles: os criminosos governantes da Síria, cuja empresa petrolífera estatal tentou fugir à proibição pelos Estados Unidos de se estabelecerem relações comerciais com esta, usando um intermediário na ilha para disfarçar os seus pedidos de compra de produtos a um fornecedor de equipamentos petrolíferos em Houston; e os operacionais do Kremlin que canalizaram através do Chipre os pagamentos a um proeminente jornalista alemão conhecido por levar a cabo uma cobertura subserviente do líder autocrático da Rússia.
Resultado de oito meses de inquérito pelo ICIJ, a investigação Chipre Confidencial explora a duradoura hegemonia da Rússia sobre os mundos profundamente interligados da política e da finança no Chipre. Explica como o poderoso Banco Central Europeu não conseguiu exercer autoridade sobre este estado-membro da União Europeia, nem dominar um sistema bancário insuflado pelo dinheiro ilícito. Mostra como, quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022, a unidade cipriota da PwC, uma das quatro grandes consultoras mundiais de contabilidade, ajudou os oligarcas russos a colocarem as suas fortunas a salvo e a debilitarem as sanções ocidentais que visavam travar o financiamento da guerra por Putin. À medida que as nações ocidentais recorreram cada vez mais às sanções financeiras para bloquearem o fluxo de dinheiro que outros governos usam para fins hostis, o Chipre transformou-se num campo de batalha financeiro de capa-e-espada.
O ICIJ e os seus parceiros analisaram 3,6 milhões de documentos obtidos junto de seis prestadores de serviços financeiros sediados no Chipre e de uma empresa lituana. Essas seis empresas cipriotas são a ConnectedSky, a Cypcodirect, a DJC Accountants, a Kallias & Associates, a MeritKapital e a MeritServus. Já empresa lituana, Dataset SIA, mantém um endereço na internet, o i-Cyprus, através do qual vende informação sobre companhias cipriotas, incluindo documentos do registo comercial do Chipre.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt