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Cimeira Social

UE aponta caminho comercial para a Índia e passa batata quente das patentes para Biden

António Costa, Ursula von der Leyen e Charles Michel
António Costa, Ursula von der Leyen e Charles Michel
Rui Duarte Silva

Ainda não foi desta que o debate sobre o levantamento das patentes das vacinas chegou a bom porto, mas os líderes europeus atracaram na necessidade de aprofundar as relações com a Índia. O Presidente dos EUA foi o ausente mais presente na Cimeira Social do Porto, onde Costa foi elogiado por todos (à exceção dos pavões dos jardins do Palácio de Cristal)

UE aponta caminho comercial para a Índia e passa batata quente das patentes para Biden

Hélder Gomes

Jornalista

UE aponta caminho comercial para a Índia e passa batata quente das patentes para Biden

Joana Ascensão

Jornalista

Depois do Compromisso Social do Porto, “o mais abrangente e ambicioso alguma vez alcançado” na União Europeia (UE), António Costa e restantes líderes voltaram-se este sábado para a Índia, mesmo com o primeiro-ministro Narendra Modi à distância. Afinal, a Índia e a UE são “os dois maiores espaços democráticos do mundo”, como o anfitrião não se cansou de lembrar, secundado por outras figuras de topo. A presidente da Comissão Europeia lamentou, ainda assim, “o potencial não explorado” entre os dois blocos. Costa deixou “as portas abertas” para que esse potencial se aprofundasse. E Ursula von der Leyen quis vê-las escancaradas na questão do levantamento das patentes das vacinas anticovid-19, mesmo que não seja para avançar já.

Se houve ausentes no Porto que estiveram presentes online, como a chanceler Angela Merkel e os primeiros-ministros holandês, maltês e indiano, o Presidente dos EUA foi o ausente mais presente, ainda que nem por videoconferência tenha entrado. A escassos dias da Cimeira Social da invicta, Joe Biden mostrou-se favorável a uma suspensão temporária das patentes. Os líderes europeus prometeram discutir o assunto, mas o que resultou da discussão prometida foi sobretudo uma picardia silenciosa - por vezes, sem mesmo referir o seu nome - com o Presidente norte-americano.

Questionada pelos jornalistas numa conferência de imprensa final (a única deste segundo e último dia, já que a da hora de almoço foi cancelada sem apelo nem agravo), Von der Leyen voltou a reconhecer a importância da discussão mas pediu uma abordagem “de 360 graus”. Nas entrelinhas pôde ler-se que Biden, ao marcar aquela posição, falou mas disse pouco. De viva voz, a presidente da Comissão lembrou que verdadeiramente importante é o reforço do investimento na produção e distribuição das vacinas. A propriedade intelectual pode ser discutida, sim, mas numa perspetiva de futuro, sublinhou.

Von der Leyen puxou então dos galões europeus: a UE é “a única zona do mundo a produzir e a exportar vacinas em larga escala”, é “a farmácia do mundo” e, o que é mesmo importante, uma farmácia “aberta”. Ao contrário dos EUA, subentendeu-se. Mas debata-se, pois, e convidem-se “todos” para esse debate, apelou, mesmo que os resultados práticos fiquem para segundas núpcias. Ainda ensaiou um breve ato de contrição - “o nosso investimento na produção deve ser maior e alargado a outras regiões” -, mas, como na véspera, o momento era de júbilo. Era também de reabertura do dossiê do acordo do comércio livre, cujas negociações, iniciadas em 2007 e interrompidas em 2013, se encontram paradas mas deverão agora ser retomadas. E ainda de uma profissão de fé: Von der Leyen acredita que o sistema de Certificados Verdes Digitais, que permitirá aos imunizados viajar no espaço europeu, estará operacional já no próximo mês.

Massagens ao ego da presidência portuguesa, mesmo com “trabalho discreto” em matéria de salários

No centro do púlpito, no interior do Palácio de Cristal, ladeado por Costa e Von der Leyen, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, qualificou a realização da Cimeira Social do Porto como “uma etapa essencial da história da construção europeia”. Por seu turno, a presidente da Comissão voltou a agradecer ao primeiro-ministro português pela organização do evento, depois de muito o ter elogiado na sexta-feira. E o próprio Costa também frisou que foi “um momento histórico” com vista a “colocar o Pilar Social no centro das políticas europeias”.

Rui Duarte Silva

Afinal, o que se fez pela política social da Europa nestes dois dias no Porto? Do essencial das políticas a implementar saiu um compromisso com o nome da cidade que o acolheu, o Porto, que coloca algumas medidas sociais no cerne das preocupações pós-pandemia da UE.

A educação terá de estar no centro da ação política porque só com a sua robustez se passa “da proteção à criação do emprego”. A propósito de trabalho, confrontado, na fase das perguntas dos jornalistas, com a falta de medidas concretas para os salários europeus adequados, Costa respondeu que essa questão está “naquela segunda fase”, que apelidou de “trabalho discreto”.

Mas, reforçou o anfitrião, importa também à Europa reduzir as desigualdades, manifestem-se estas na forma de exclusão social ou de pobreza, em todos os grupos vulneráveis, como os idosos, as crianças, as mulheres, os portadores de deficiência ou os sem-abrigo. E é preciso “dar uma atenção muito especial aos jovens, que têm uma taxa de desemprego elevada, dificuldades de acesso a habitação acessível, e cuja situação de precariedade é a maior ameaça ao equilíbrio demográfico da Europa”, considerou ainda.

No final do Conselho Europeu informal deste sábado, no Palácio de Cristal, sob um dia soalheiro, saíram todos satisfeitos. Todos, exceto os pavões dos jardins que, vendo o seu espaço invadido e as constantes luzes de câmaras apontadas às suas penas, não pouparam a plateia com os seus ruídos de protesto. Costa chamar-lhes-ia “declarações proclamatórias”, ele que disse gostar de “poucas” e de essa escassez ser uma marca “consolidada” das presidências portuguesas do Conselho da UE, aliada a “bons resultados”. Para memória futura ficam consolidadas proclamações como “momento histórico” e “o mais abrangente e ambicioso compromisso alguma vez alcançado”, entre outras.

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