Von der Leyen ataca Orbán por visita a Moscovo, propõe comissário para a Habitação e fala em reformar os tratados
Johanna Geron/REUTERS
Sem citar o nome do primeiro-ministro húngaro, a presidente da Comissão Europeia disse que “a Rússia está a contar que a Europa e o Ocidente se tornem moles” e o problema é que “alguns na Europa estão a alinhar”. Num discurso proferido no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, horas antes da votação para a sua reeleição, Ursula Von der Leyen afirmou estar “na altura de criar uma genuína União Europeia de defesa” e prometeu não hostilizar empresas e agricultores, com o reforço do Pacto Ecológico, e resolver a crise da habitação
Ursula von der Leyen, que tenta esta quinta-feira ser reeleita presidente da Comissão Europeia, afirmou estar “convencida de que a versão da Europa desde o fim da II Guerra Mundial, com todas as suas imperfeições e desigualdades, continua a ser a melhor versão da História”. Para ser reconduzida no cargo, precisa do voto favorável de 361 dos agora 720 eurodeputados.
Discursando no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, a alemã prometeu lutar contra a “polarização extrema das sociedades” e evitar que “demagogos e extremistas” destruam a União Europeia. Nessa linha, Von der Leyen insistiu nas críticas à recente deslocação de Viktor Orbán a Moscovo, para se encontrar com o Presidente Vladimir Putin, sublinhando não se ter tratado de uma “missão de paz”, como lhe chamou o primeiro-ministro da Hungria, que preside ao Conselho da União Europeia até ao final do ano, mas de “apaziguamento”.
Sem citar o nome de Orbán, disse que “a Rússia está a contar que a Europa e o Ocidente se tornem moles”, sendo que o problema é que “alguns na Europa estão a alinhar”. E lembrou que “apenas dois dias depois” da visita de “um primeiro-ministro da União Europeia” à capital russa, “os jatos de Putin apontaram os seus mísseis a um hospital pediátrico e a uma maternidade em Kiev, e todos vimos as imagens de crianças cobertas de sangue, as mães a tentarem pôr em segurança jovens doentes com cancro”.
O ataque russo “não foi um erro”, mas “uma mensagem arrepiante do Kremlin para todos”, enfatizou. “Por isso, senhores deputados, a nossa resposta tem de ser igualmente clara: ninguém quer a paz mais do que o povo da Ucrânia, uma paz justa e duradoura para um país livre e independente. E a Europa estará ao lado da Ucrânia durante o tempo que for necessário. Esta é a nossa mensagem”, disse.
Ursula von der Leyen recandidata-se a um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia
Estando o Velho Continente a atravessar “um período de ansiedade profunda”, Von der Leyen mostrou-se, ainda assim, “convencida” de que “uma Europa forte pode estar à altura do desafio” – “e é por isso que hoje peço a vossa confiança” para mais um mandato de cinco anos à frente da Comissão. Recuperando a sua ideia de criação de um escudo de defesa aérea, sublinhou que a Europa deve investir mais em capacidades de defesa de ponta. “Está na altura de criar uma genuína União Europeia de defesa”, sinalizou. Defendeu ainda que a NATO continue a ser um pilar da defesa coletiva do continente. Os países europeus gastam muito pouco com as suas forças armadas e “gastam demasiado lá fora”, lamentou, numa referência à dependência europeia dos Estados Unidos nesta área.
Voltando-se para a guerra em curso em Gaza, comprometeu-se a aumentar a ajuda humanitária e com “um pacote plurianual muito mais amplo para apoiar uma Autoridade Palestiniana eficaz”. “Demasiadas crianças, mulheres e civis perderam a vida em resultado da resposta de Israel ao terror brutal do Hamas”, referiu, apelando a “um cessar-fogo imediato e duradouro” e à libertação dos reféns e reafirmando que “a solução de dois Estados é a melhor forma de garantir a segurança” na Palestina e em Israel.
“Os preços e as rendas estão a subir em flecha”
A ser reeleita, numa votação que começa ao meio-dia (hora de Lisboa), confirmou que do portefólio do órgão executivo da União Europeia fará parte um comissário para a Habitação. “Os preços e as rendas estão a subir em flecha. As pessoas lutam para encontrar casas a preços acessíveis”, indicou, justificando assim a necessidade de se nomear, pela primeira vez, um comissário com essa pasta. Mais: propôs lançar um novo plano europeu de habitação a preços acessíveis com uma estratégia de investimento.
No plano ambiental, comprometeu-se a expandir o Pacto Ecológico Europeu com um plano para preparar o bloco para os impactos das alterações climáticas e impulsionar as tecnologias limpas até 2040. Os jovens europeus “nunca nos perdoarão se não estivermos à altura do desafio”, afirmou, mas numa perspetiva de “reconciliar a proteção climática e uma economia próspera” e sem hostilizar as empresas e os agricultores, que estão a ser “espremidos”.
Quem trabalha no sector primário deve receber um salário “justo e suficiente” e deve ser compensado por colaborar para uma Europa mais verde, sem que ninguém tenha de ser forçado a vender abaixo dos custos de produção. Também neste ponto aludiu à nomeação de um comissário para as pescas e os oceanos para assegurar que “o sector continua a ser sustentável, competitivo e resiliente”. E defendeu a criação de um Pacto Europeu para os Oceanos no sentido de impulsionar a economia azul e garantir “a boa governação e sustentabilidade dos nossos oceanos em todas as suas dimensões”.
Ursula von der Leyen recandidata-se a um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia
Quanto à indústria tout court, Von der Leyen visou a China, sem, contudo, a mencionar no seu discurso, optando pela formulação de “concorrentes estratégicos e rivais sistémicos”. “Todos sabemos que não há Europa sem pequenas e médias empresas. São o coração da nossa economia e, por isso, temos de nos livrar dos encargos da microgestão. Vamos dar-lhes mais confiança e melhores incentivos”, proclamou.
Inquérito ao impacto das redes sociais
Dizendo-se preocupada com a crescente infiltração de organizações criminosas no espaço da União, propôs “duplicar” o staff da Europol, a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial, o que corresponderá a um acréscimo de 1400 pessoas face ao figurino atual, para que a Europol se torne “uma agência policial verdadeiramente operacional”.
E voltou aos jovens para anunciar “o primeiro inquérito à escala europeia sobre o impacto das redes sociais no seu bem-estar”. Neste ponto, os objetivos são “combater a praga do cyberbullying”, “agir contra as configurações viciantes de algumas plataformas”, reduzir “o excessivo tempo de ecrã” e aplacar “a crise de saúde mental”.
Por fim, destacou a importância de alterar os tratados que regem a União, devendo as instituições europeias aproveitar o momento atual como “um catalisador de mudança na capacidade de ação, nas políticas e no orçamento”. E prometeu “uma parceria mais estreita entre a Comissão e o Parlamento”, dizendo que pretende trabalhar com os eurodeputados nas reformas que propõe.