Depois da tensão das últimas semanas, da incerteza e das ameaças de Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro recua e deixa cair o veto, permitindo a luz verde dos 27 ao novo pacote de ajuda à Ucrânia. A solução ficou fechada no pequeno-almoço entre Orbán, o Presidente francês, o chanceler alemão, a primeira-ministra italiana e os presidentes do Conselho Europeu e da Comissão Europeia. Os restantes concordarem e o acordo foi anunciado minutos depois do início do Conselho Europeu.
"Isto permite um financiamento estável, previsível e de longo-prazo", escreveu o Presidente do Conselho Europeu numa breve comunicação. Com o entendimento, os 27 conseguem manter a unidade que tem prevalecido desde o início da guerra da Ucrânia. Tem havido momentos de tensão, mas tal como em dezembro, quando os líderes aprovaram a abertura de negociações de adesão com a Ucrânia, também agora se fechou finalmente o pacote de ajuda financeira.
Desta vez, Orbán não saiu da sala para permitir o acordo. Para satisfazer o primeiro-ministro húngaro, foi incluído no acordo um "debate anual" de líderes europeus, sobre a aplicação do dinheiro para a Ucrânia, para garantir o bom uso dos fundos. No entanto, será apenas uma discussão sem decisão, ou seja sem ser necessário garantir unanimidade, como pedia Viktor Orbán. O húngaro queria garantir anualmente um mecanismo de veto para o apoio à Ucrânia, rejeitado pelos restantes.
O acordo inclui ainda a possibilidade de, “no prazo de dois anos”, a Comissão “apresentar uma proposta para a revisão no contexto do novo quadro financeiro plurianual”. Só que no texto, fica também a palavra "se necessário". Mas, uma vez mais, não deverá haver possibilidade de Orbán vetar o dinheiro já aprovado no atual Quadro Financeiro e que serve para financiar a Ucrânia até 2027.
Salvar a face em casa
Com esta solução, o primeiro-ministro húngaro poderá eventualmente reclamar em casa que consegue a reavaliação do dinheiro destinado à Ucrânia, e que no futuro (após 2027) poderá travar novas ajudas.
Fontes diplomáticas falam numa linguagem vaga que permite a Orbán salvar a face em casa, mas que evita que volte a usar o poder de veto para travar este pacote de ajuda à Ucrânia, que inclui 17 mil milhões de euros a fundo perdido e 33 mil milhões de euros em empréstimos.
Para o acordo terá também sido fundamental a primeira-ministra Giorgia Meloni, próxima de Orbán, mas que recentemente tem também estreitado relações com a Comissão. A italiana terá ajudado a fazer a ponte numa altura em que Orbán ataca sistematicamente a Comissão Europeia, que acusa de não defender os interesses europeus e de pôr em causa os húngaros.
A Hungria ainda não recebeu qualquer dinheiro do Fundo de Recuperação e Resiliência e tem mais 6,3 mil milhões dos fundos de Coesão congelados ao abrigo do Mecanismo de Condicionalidade, por causa das ameaças húngaras ao Estado de Direito. Em dezembro, a Comissão desbloqueou 10 mil milhões de euros de fundos de Coesão, mas várias fontes indicam que agora não tem margem para desbloquear nem mais um euro, uma vez que Budapeste não tem tomado medidas para corrigir as falhas apontadas.
Orbán mostra-se satisfeito
Orbán já reagiu. "Receávamos que os fundos devidos aos húngaros e atualmente congelados pela Comissão Europeia fossem parar à Ucrânia", afirmou num vídeo publicado na conta do Facebook, citado pela AFP. Mas "recebemos uma garantia" de que isso não aconteceria, acrescentou, sem dar pormenores. Mostra-se também satisfeito com a criação do "mecanismo de controlo" para acompanhar a utilização do dinheiro por parte de Kiev.
É a forma de vender a vitória em casa, quando nunca esteve em causa a transferência de verbas húngaras para Kiev. Aliás, os 17 mil milhões de euros a fundo perdido para a Ucrânia vão implicar novas contribuições dos Estados-membros.
Nas conclusões do Conselho Europeu fica ainda uma última frase, para tentar satisfazer Orbán. "O Conselho Europeu recorda as suas conclusões de dezembro de 2020 sobre a aplicação do Mecanismo de Condicionalidade". Mais uma vez, a frase é vaga, remetendo apenas para o que ficou decidido há três anos quando foi criado este mecanismo para proteger o dinheiro europeu das ameaças ao Estado de Direito.
Segundo várias fontes, a frase está no texto, para recordar que a aplicação do mecanismo deve reger-se por "princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade de tratamento dos Estados-membros". Uma das queixas de Orbán em relação à Comissão é que não foi objetiva e proporcional quando lhe congelou os fundos de Coesão.