Exclusivo

União Europeia

Cimeira de líderes europeus: seis questões para compreender o impasse no apoio à Ucrânia

Cimeira de líderes europeus: seis questões para compreender o impasse no apoio à Ucrânia
JUAN MABROMATA/Getty Images

Já se fala num Plano B para contornar o veto da Hungria e evitar o falhanço total na cimeira de líderes, que chegam esta quarta-feira a Bruxelas. Primeiro, vão jantar com os países dos Balcãs Ocidentais, mas as grandes decisões que estão em cima da mesa são a abertura das negociações com a Ucrânia e o financiamento de €50 mil milhões ao país. Pode a reunião arrastar-se para o fim-de-semana? Sim, mas há questões mais difíceis

Cimeira de líderes europeus: seis questões para compreender o impasse no apoio à Ucrânia

Susana Frexes

Correspondente em Bruxelas

O apoio da União Europeia à Ucrânia está em risco?

Politicamente, sim. Se os líderes não conseguirem aprovar o pacote de 50 mil milhões de euros de ajuda financeira a Kiev, nem abrirem as negociações de adesão com a Ucrânia - os dois grandes desafios em cima da mesa -, fica em causa o apoio europeu, que, até agora, tem sido sistematicamente apresentado com "inabalável" e "até à vitória". Um falhanço na cimeira desta semana seria, também, a primeira grande machadada na unidade dos 27, que têm estado alinhados no apoio a Kiev desde o início da guerra lançada pela Rússia. Várias vezes esta unidade foi posta à prova, mas, até agora, tem sido garantida.

É certo que a esmagadora maioria dos Estados-membros apoia e quer continuar a apoiar a Ucrânia, mas a ameaça de veto da Hungria não só pode travar as decisões, como compromete uma posição clara e una em relação à guerra na Ucrânia.

Numa altura em que o apoio norte-americano à Ucrânia está também em risco, com a oposição dos republicanos no Congresso, está nas mãos dos europeus darem um sinal de que a Ucrânia não fica desamparada. A falta de acordo em Bruxelas arrisca-se a ser lida como uma vitória para o presidente russo Vladimir Putin.

O que quer Viktor Orbán?

Vários diplomatas e ministros, incluindo João Gomes Cravinho, têm dito que não percebem o que quer o primeiro-ministro húngaro. Uma explicação possível é o dinheiro ou, no caso, a falta dele. A Hungria ainda não viu um euro dos cerca de 10 mil milhões do respetivo Plano de Recuperação e Resiliência e a Comissão Europeia bloqueou-lhe quase 22 mil milhões dos fundos, sobretudo da Coesão, por causa das ameaças ao Estado de Direito, como a falta de independência do sistema judicial húngaro. No entanto, fonte diplomática adianta que não é só o dinheiro.

Viktor Orbán, que há um ano aceitou que a Ucrânia tivesse o estatuto de país candidato à UE, agora não poupa nas críticas, quer em entrevistas, quer nas redes sociais, acusando o país de ser um dos mais corruptos do mundo e de não respeitar as minorias (incluindo a húngara). Atira à Comissão Europeia, discorda da avaliação feita pelo executivo de Ursula von de Leyen e diz que a recomendação para que se abra já as negociações de adesão não tem fundamento, não cumpre os critérios e não tem em conta os custos para os contribuintes europeus. Uma postura ainda mais difícil de compreender, quando publicamente a Hungria defende a integração dos países dos Balcãs Ocidentais, da Moldova e até da Geórgia, que está mais atrás no processo.

Orbán tem também divergido nos restantes, quando afirma que "a Ucrânia não vai ganhar na frente de batalha", que "os russos não vão perder" e que "a estratégia [de apoio] falhou". Defende "um plano B", "um cessar-fogo" e "conversações de paz" e, por isso, rejeita não só continuar a enviar armas para Kiev, como entende que os líderes têm de discutir e rever a estratégia europeia face a esta Guerra. É o único líder a encontrar-se com Putin e diz que o faz para manter abertos os canais de diálogo para a paz.

Uma coisa já conseguiu: lançar a dúvida sobre o apoio europeu, mas está longe de convencer os restantes de que a estratégia deve mudar.

10 mil milhões, chegam?

A Comissão Europeia prepara-se para descongelar 10 mil milhões de euros dos quase 21 mil milhões dos fundos estruturais que estão bloqueados. O executivo comunitário tem estado a adiar a decisão, com o argumento de que está ainda a verificar se a Hungria já cumpre as condições necessárias para merecer esse descongelamento. A coincidência é que o descongelamento deve ser anunciado esta quarta-feira, precisamente em véspera de Cimeira. Uma decisão política do executivo de Ursula von der Leyen que está a ser lida como a forma de satisfazer e suavizar a posição de Viktor Orbán, que poderia assim reclamar mais uma vitória em casa.

O problema é que a fatia maior continua congelada, incluindo o dinheiro do PRR. O mecanismo de condicionalidade criado em 2019 para cortar fundos aos países que não respeitam o Estado de Direito está a funcionar e já levou Budapeste a fazer algumas reformas, mas não todas. Só que se por um lado, a UE pode bloquear o dinheiro à Hungria, a Hungria também pode travar tudo o resto em que tenha poder de veto.

Há Plano B?

Há. A poucas horas do início da cimeira, a maioria surge encurralada pelo veto húngaro, mas muitos consideram que o falhanço total não é opção. E a prova disso é que já se fala, ainda que discretamente, de um plano B. É impossível abrir negociações de adesão sem a Hungria, mas a questão do apoio financeiro poderia ser feita sem Budapeste. A solução passaria por um programa de assistência macrofinanceiro a 26, fora do Orçamento Comunitário e com garantias dos Estados membros. É certo que seria mais complicado e mais caro do que a atual proposta de incluir o apoio de 50 mil milhões de euros dentro da revisão do atual Quadro Financeiro Plurianual, que vai até 2027. Várias fontes ouvidas pelo Expresso, admitem esta possibilidade, ainda atualmente todos os esforços estão ainda numa solução a 27.

Orbán está a dramatizar, para depois recuar?

Não seria a primeira vez. A posição de Orbán não tem sido estanque. Há uns dias não queria, sequer, que a questão da abertura de negociações estivesse na agenda do Conselho Europeu e agora já diz que é um assunto para ser discutido pelos líderes. Fontes diplomática admitem também que há forma de acomodar as preocupações de Orbán e dar-lhe espaço para levantar o veto, sem perder totalmente a face. Mesmo que a UE aprove já as negociações de adesão, estas não vão começar em janeiro, nem o país está em vias de entrar. É a abertura de negociações, não a aprovação da adesão - que pode arrastar-se anos - que está em causa. Por outro lado, a própria Comissão Europeia deu a Kiev até março para fazer reformas em falta no combate à corrupção e para garantir os direitos das minorias - três, entretanto, já terão sido feitas, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros. Está já prevista uma nova avaliação em março e só depois é que se avança para o quadro negocial, que permite o arranque efetivo das negociações e que tem de ser também aprovado por unanimidade. Ou seja, Orbán poderia abandonar agora o veto, com o argumento que se fosse necessário o usaria mais à frente.

E quais os danos colaterais do Plano B?

Para além de ser uma solução a 26 e de quebrar a unidade a 27, coloca-se a questão do que acontecerá ao resto da revisão do Quadro Financeiro Plurianual, se se retirar de lá o pacote de €50 mil milhões. É que quando propôs esta revisão, a Comissão não só propôs que se avançasse com dinheiro novo para financiar a Ucrânia, como defendeu que os países abrissem os cordões à bolsa para colmatar o financiamento em prioridades como as migrações, a resposta a emergências (como catástrofes naturais) ou até o desenvolvimento dos Balcãs. Só que a Alemanha é abertamente contra mais contribuições que não sejam para ajudar Kiev e os chamados países frugais estão na mesma linha. Argumentam que se falta dinheiro nas migrações ou em qualquer outra rúbrica orçamental, a Comissão deve fazer reafectações e cortar noutras políticas, do Erasmus à Coesão. Na verdade, mesmo sem o Orbán, o braço-de-ferro orçamental tem sido também um entrave à aprovação da ajuda à Ucrânia, uma vez que está tudo junto, num pacote que exige unanimidade.

Há uma semana, Berlim ou Haia pareciam mesmo dispostas a deixar para 2024 a questão do financiamento. Só que isso está a mudar, face à perspetiva de não se conseguir abrir negociações de adesão.

Porém, se inicialmente a Comissão propunha 65,8 mil milhões de dinheiro novo, agora já só se fala em 22,5 mil milhões, dos quais 17 mil milhões são para a Ucrânia ( os outros 33 mil milhões são empréstimos). Sobram pouco mais de cinco mil milhões para tapar buracos orçamentais e mesmo esses não estão fechados nem são aceites pelos alemães.

Há a expectativa entre vários países, incluindo Portugal, que a Alemanha acabe por aceitar um reforço de verbas para além do dinheiro para a Ucrânia. Mas se se passar ao Plano B, em que os 50 mil milhões saltam fora do orçamento, há o risco de os frugais argumentarem que então não há razão para se fazer uma revisão orçamental, porque o problema da Ucrânia está resolvido. E isto pode levar a cortes, por exemplo, na Coesão.

Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate