Moscovo sempre teve o cuidado de se apresentar como uma capital multirreligiosa e de promover relações pragmáticas com os países islâmicos, mas a implementação efetiva dessa política é difícil, como se pôde constatar na sexta-feira, com o ataque à sala de espetáculos na cidade russa. Na noite de sexta-feira, atacantes com armas entraram na sala do Crocus City, tendo depois disparado em todas as direções, durante quase uma hora, enquanto os espectadores em pânico tentavam escapar. Em seguida, os agressores incendiaram o local. O Daesh-K, sucursal afegã do grupo terrorista, reivindicou a autoria do ataque, voltando a expor uma ferida que nunca sarou.
“A Rússia fez um mau trabalho, em geral, na compreensão das ameaças à Federação Russa, em que se incluem as ameaças internas”, diagnostica William Alberque, diretor de Estratégia, Tecnologia e Controlo de Armas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Berlim. “Existe uma miopia inerente à liderança russa, isto é, não vêem a ameaça de uma população muçulmana marginalizada, nem a sua atitude relativamente racista e imperialista em relação a essa população e, mais amplamente, à Ásia Central em geral, de onde são retirados muitos trabalhadores”, continua a expor, em declarações ao Expresso. Reside, nesse desconforto, um grande potencial para “agitação”, uma “verdade incómoda que foi varrida para debaixo do tapete pela liderança russa”, aponta o analista.
Quatro suspeitos, identificados como cidadãos do Tajiquistão, compareceram em tribunal este domingo, declarando-se culpados pelo envolvimento no ataque. O Kremlin continua, no entanto, a recusar-se a comentar as crescentes evidências de que o autointitulado Estado Islâmico tenha planeado o ataque. “É uma vergonha pública para Putin ter sido avisado por várias agências de secretas ocidentais sobre um possível ataque, e o seu governo não ter agido de acordo com o aviso”, salienta Kelly Grieco, investigadora do Reimagining US Grand Strategy Program do think tank Stimson Center. “Aposto que continuará a culpar a Ucrânia pelo ataque, embora não haja provas que sugiram o envolvimento ucraniano, mas os seus serviços de informação e segurança responderão reprimindo brutalmente as minorias étnicas muçulmanas como os chechenos.”
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