Dois ex-trabalhistas, mais um não-oficial, e o verde que desistiu mas ficou no boletim: história da bizarra eleição intercalar em Rochdale
O veterano ex-militante trabalhista George Galloway quer conquistar um lugar de deputado apostando no apoio à Palestina
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Morte de um deputado trabalhista desencadeou ida às urnas num círculo da área metropolitana de Manchester. O cruzamento da guerra em Gaza com a alta percentagem de eleitores muçulmanos e posições públicas controversas de vários candidatos gerou um quebra-cabeças para várias forças políticas
A viver a legislatura com mais substituições de deputados em mais de 30 anos, o Reino Unido assiste esta quinta-feira a uma singular eleição intercalar para a Câmara dos Comuns em Rochdale, na zona da Grande Manchester. Foi motivada pela morte do parlamentar trabalhista Tony Lloyd, vítima de cancro aos 73 anos, a 17 de janeiro. É o 22º substituído desde 2019, uns por morte, outros por demissão em desacordo com o partido, outros ainda por indecente e má figura, não raro escândalo sexual.
Esta é a terceira ida às urnas especial de fevereiro de 2024, depois de os trabalhistas terem arrebatado lugares aos conservadores em Kingswood e Wellingborough no passado dia 15. Em Rochdale os trabalhistas dominam desde 2010, salvo um período em que o seu então deputado Simon Danczuk passou a independente, por ter trocado mensagens sexuais com uma menor. Mas desta vez o partido chefiado por Keir Starmer está em apuros.
Azhar Ali lançou-se como candidato do Partido Trabalhista, mas perdeu o apoio deste devido a teorias da conspiração antissemitas
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O seu candidato, Azhar Ali, perdeu o apoio do partido devido a declarações antissemitas. Alegou que Israel ignorara deliberadamente avisos sobre o ataque do Hamas de 7 de outubro, para ter “luz verde” para matar civis na Faixa de Gaza. Acontece que a decisão de deixar cair Ali foi tomada depois do prazo de apresentação de candidaturas. Logo, não só ele se mantém no boletim de voto com a sigla trabalhista como o maior partido da oposição ficou sem poder substituí-lo. Se eleito, Ali será deputado independente, tendo sido suspenso da militância.
O regressado e o eterno regressado
Para aumentar a confusão, surgem outros dois ex-trabalhistas na corrida. Danczuk, que deixou o Parlamento em 2017, volta a concorrer, agora pelo Partido Reformador (direita radical antieuropeísta, onde pontifica Nigel Farage, um dos arquitetos do ‘Brexit’). Danczuk acusa os seus ex-camaradas de partido de se terem tornado reféns da cultura woke.
A ele e a Ali junta-se um ex-trabalhista que já muitas dores de cabeça deu ao partido de Starmer: George Galloway, que já foi deputado por várias circunscrições e agora ergue a bandeira do Partido dos Trabalhadores do Reino Unido. Pensa, como Vladimir Putin, que a queda da União Soviética foi “a maior catástrofe” da sua vida. O que não o impede de ser o favorito das casas de apostas, essa vetusta instituição britânica.
Galloway assume posições pró-palestinianas e foi à caça do voto dos muçulmanos de Rochdale — 30% da população local —, equiparando a eleição intercalar a um “referendo sobre Gaza”. Declara apoio ao Hamas e ao Hezbollah e chega a negar crimes comprovados do ataque de 7 de outubro. E diz que os demais candidatos têm “sangue a escorrer das mãos”.
Simon Danczuk, antigo deputado trabalhista por Rochdale, passou para o nacionalismo antieuropeu
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Em 2012, Galloway conquistou aos trabalhistas, também numa eleição intercalar, o círculo de Bradford Ocidental, no norte de Inglaterra, concorrendo pelo Partido do Respeito, que fundou após sair do Partido Trabalhista em protesto contra o apoio do Governo de Tony Blair à invasão do Iraque de 2003. Fizera o mesmo, anos antes, em Bethnal Green and Bow (Grande Londres).
A nível nacional, são os tories quem treme
As agruras da maior força da oposição não atenuam, porém, um quadro nacional fortemente negativo para o Partido Conservador, que governa desde 2010 e está 20 pontos percentuais atrás dos trabalhistas nas sondagens para as legislativas, previstas para o final do ano. Em Rochdale, aliás, não são considerados uma força com hipóteses de vencer.
A politóloga Alia Middleton comentou ao Expresso que as eleições intercalares recentes em Kingswood e Wellinborough — que os trabalhistas conquistaram aos conservadores — tiveram participação baixa (31% e 38%, respetivamente), mas que tal é não só “inteiramente típico de intercalares em geral” como “mais alto até do que eleições recentes, como a de Stretford and Urmston em dezembro de 2022”.
Isso leva a académica da Universidade de Surrey a acreditar que “estão em curso transferências de voto em massa”, que podem complicar as perspetivas do primeiro-ministro tory Rishi Sunak. Nas eleições intercalares deste ano foi comum “ver-se altas figuras trabalhistas inundar as campanhas dos candidatos locais”, ao passo que os dirigentes conservadores mal se viam, por não desejarem ficar associados a derrotas ou porque os candidatos locais não os queriam lá.
Raving Rodent Subortna é o candidato do Partido Oficial dos Monstros Loucos das Festas, formação satírica que anima as eleições britânicas desde 1982
D.R.
Na atual legislatura, inaugurada em 2019, houve 21 eleições intercalares, por demissão ou morte de deputados. Destas, treze foram em círculos conservadores, que perderam em dez casos (seis para os trabalhistas, quatro tantos para os liberais democratas), aguentando três. Em contrapartida, os tories só recuperaram um assento desde 2019, aos trabalhistas, e estes conquistaram um aos independentistas escoceses.
Chama a atenção que a causa mais frequente de saída do Parlamento entre os 22 casos de mandato interrompido neste quinquénio sejam acusações ou condenações de cariz sexual (sete); seguem-se morte (cinco, incluindo um assassinado), passagem para outros cargos (quatro), despeito por não terem sido nomeados para a Câmara dos Lordes (dois), escândalo das festas durante a pandemia (dois, incluindo o ex-primeiro-ministro Boris Johnson), alegada violação das regras sobre lóbi (um) e desavença programática com o seu partido (um, do Governo).
Verde sem brilho
Outros candidatos em Rochdale são o liberal democrata Iain Donaldson (cujo partido deteve Rochdale entre 2005 e 2010); o conservador Paul Ellison; o aspirante do Partido Oficial dos Monstros Loucos das Festas (satírico), com o insólito nome Ravin Rodent Subortna; e os independentes Mark Coleman, David Tully, Michael Howarth e William Howarth (estes dois últimos, sem parentesco).
Caso digno de nota é o de Guy Otten, que começou por concorrer pelo Partido Verde, mas foi repudiado por este após terem surgido antigas publicações suas nas redes sociais, incluindo uma que alegava que o Corão, livro sagrado do Islão, “não serve para o século XXI”. Declarou que desistia e não fez campanha mas mantém-se no boletim de voto.
As urnas fecham às 22h, devendo o vencedor ser conhecido na madrugada de sexta-feira. É eleito deputado o mais votado, independentemente de ter ou não a maioria dos votos.