Reconhecer a Palestina é enviar “uma mensagem muito clara: matar judeus compensa” — o discurso de Netanyahu nas Nações Unidas
Vários delegados abandonaram a sala assim que o primeiro-ministro israelita começou o seu discurso no quarto dia da Assembleia-Geral das Nações Unidas
Michael M. Santiago
Boicotado pela saída de delegados de vários países, o primeiro-ministro israelita discursou esta sexta-feira na Assembleia-Geral da ONU. Das “conquistas militares” de Telavive à necessidade de trazer de volta “os queridos reféns” sequestrados pelo Hamas, Netanyahu apontou o dedo a quem reconheceu o Estado da Palestina apesar do que aconteceu a 7 de outubro de 2023
Entre vaias, aplausos e um boicote, o discurso do primeiro-ministro israelita, no quarto dia da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, esta sexta-feira, foi marcado por promessas baseadas no uso da força e condenações morais a países do Ocidente.
Na altura em que entrou e começou a discursar no púlpito, dezenas de delegados presentes, de vários países do mundo — incluindo árabes, muçulmanos e africanos —, abandonaram a sala num gesto simbólico de discórdia e condenação. Houve, por outro lado, quem lhe tivesse feito uma ovação em pé.
Netanyahu começou por falar do Irão e, mostrando um mapa — como é habitual durante os seus discursos nas Assembleias-Gerais da ONU —, apontou para “a maldição do Irão”, país com o qual Israel travou recentemente um conflito de 12 dias, entre 13 e 24 de junho. No mesmo “eixo do terror”, a Síria e o Iraque aparecem destacados a vermelho.
“Israel devastou o programa de armas atómicas e mísseis balísticos do Irão”, disse ‘Bibi’, que aproveitou a oportunidade para agradecer aos Estados Unidos e ao Presidente Donald Trump pela sua “ação ousada e decisiva” contra Teerão. Netanyahu apelou também aos delegados da ONU que não saíram da sala para se manterem “lúcidos”, não permitirem que o Irão “reconstrua as suas capacidades nucleares” e defendeu que os seus stocks de urânio enriquecido “devem ser eliminados”.
Enumerando algumas das “conquistas militares históricas” recentes de Telavive, o primeiro-ministro israelita gabou-se da sua nação e das suas tropas, que “atingiram os hutis [do Iémen], esmagaram a maior parte da máquina terrorista do Hamas [da Faixa de Gaza] e incapacitaram o Hezbollah [do Líbano]”.
Sobre o penúltimo, o movimento islamita palestiniano, Netanyahu declarou taxativamente que “Israel deve terminar a sua missão em Gaza o mais depressa possível”, para eliminar a ameaça do Hamas. “Os últimos membros remanescentes estão entrincheirados na cidade de Gaza”, informou.
Dirigindo-se às “famílias dos queridos reféns que definham nas masmorras de Gaza”, prometeu: “Não descansaremos até trazer todos para casa”. O grupo terrorista ainda detém 48 dos cerca de 250 israelitas que sequestrou no ataque de 7 de outubro de 2023, nos kibbutz do sul de Israel e no festival de música Supernova. Destes 48 reféns, acredita-se que 20 ainda estejam vivos.
“Grande parte do mundo já não se lembra do 7 de Outubro, mas nós lembramo-nos. Não vos esquecemos [aos reféns], nem por um segundo”, disse, em hebreu, num discurso transmitido pelas Forças de Defesa de Israel em altifalantes instalados em camiões do seu lado da fronteira com Gaza. Tratou-se de uma ordem direta de Netanyahu. “Deponham as armas. Libertem todos os reféns agora”, exortou, parecendo falar diretamente para quem o ouvia no enclave palestiniano.
Reconhecer Palestina seria “suicídio nacional”
Num discurso proferido poucos dias depois de vários países terem reconhecido formalmente o Estado da Palestina — são agora 157, Portugal incluído —, o primeiro-ministro acusou os governantes mundiais de “apaziguarem o mal” e apontou o dedo aos que “condenam em público Israel, mas, à porta fechada, agradecem”.
Ciente das acusações de genocídio dirigidas ao seu Governo e às suas tropas na Faixa de Gaza — e que considera “falsas” —, o líder israelita adiantou que está a pedir ao exército para minimizar as baixas civis, além de fazer questão de comunicar à população palestiniana que deve retirar-se de dada cidade sempre que necessário. “Um país que comete genocídio imploraria à população civil que supostamente está a atacar para que se afastasse do perigo?”, perguntou retoricamente.
Depois, ‘Bibi’ dirigiu-se a quem reconheceu recentemente o Estado palestiniano. “Esta semana, os líderes da França, Reino Unido, Austrália, Canadá e de outros países reconheceram incondicionalmente um Estado palestiniano. Fizeram-no após os horrores cometidos pelo Hamas a 7 de outubro — horrores elogiados nesse dia por quase 90% da população palestiniana.”
“Sabem qual foi a mensagem que os líderes que reconheceram o Estado palestiniano esta semana enviaram aos palestinianos? É uma mensagem muito clara: matar judeus compensa”, continuou, reiterando que Israel não vai permitir que lhe seja “imposto um Estado terrorista”. “Seria um suicídio nacional. É pura loucura. É insano, e não o faremos”. A delegação dos Estados Unidos, que também se opõe ao reconhecimento do Estado da Palestina, aplaudiu o seu aliado durante este momento.
No final do seu discurso, Netanyahu deixou uma mensagem de força e esperança depositada no próprio país. “A 7 de outubro, os inimigos de Israel tentaram extinguir essa luz. A determinação e a força de Israel brilharam mais do que nunca e, com a ajuda de Deus, essa força e essa determinação vão levar-nos a uma vitória rápida, a um futuro brilhante de prosperidade e paz.”