Israel já deixou cair mais de 25 mil toneladas de bombas em Gaza: são duas bombas atómicas desde outubro (171º dia de guerra)
Na Cisjordânia, uma criança passa por um grafite que relembra a 'Nakba', ou "Catástrofe", quando centenas de milhares de palestinianos foram expulsos das suas casas em 1948
Maja Hitij
“A ‘Nakba’ em curso tem de parar de uma vez por todas”, pediu a responsável da ONU para Gaza, antes de apresentar um relatório com indícios de “genocídio” no enclave palestiniano. Estados Unidos dizem que proposta de cessar-fogo imediato que ajudaram a aprovar no Conselho de Segurança “não é vinculativa”
Há "razões plausíveis" para concluir que Israel está a cometer genocídio deliberado de palestinianos na Faixa de Gaza, garantiu esta segunda-feira a redatora da ONU para a Palestina, Francesca Albanese, responsável pelo relatório "Anatomia de um Genocídio" – que será apresentado amanhã ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Analisando os padrões de violência e as políticas de Israel em Gaza, a equipa da ONU concluiu que há três atos genocidas a decorrer no enclave: "assassínio de membros de um grupo", com o registo de mais de 30 mil palestinianos mortos em cinco meses de conflito, "lesões corporais ou mentais graves a membros de um grupo"; e "infligir deliberadamente a um grupo condições calculadas para provocar a sua destruição física total ou parcial".
Nos casos mais dramáticos, apontou a responsável, a escassez deliberada de material médico obrigou a amputações sem anestesia. Mais de 70 mil palestinianos já ficaram feridos desde a invasão de outubro: a quantidade de explosivos usados contra a Gaza já supera as 25 mil toneladas, o equivalente a duas bombas nucleares.
Além disso, 77% das instalações sanitárias do território ficaram destruídas, assim como 68% das infraestruturas de telecomunicações e 60% das casas e instituições de ensino – incluindo todas as universidades de Gaza, nota a ONU.
“De uma forma mais geral, as ações de Israel são impulsionadas por uma lógica genocida essencial ao seu projeto colonialista na Palestina", recordando a existência de "práticas que tendem para a limpeza étnica dos palestinianos" entre 1947-1949 e em 1967. “A ‘Nabka’ em curso tem de parar de uma vez por todas”, afirmou Francesca Albanese.
Proposta de cessar-fogo imediato aprovada na ONU é vinculativa?
Apesar da aprovação de uma proposta de “cessar-fogo imediato” no Conselho de Segurança da ONU através da abstenção dos Estados Unidos, Washington veio garantir hoje que a decisão “não é vinculativa”. As palavras foram ditas hoje por Matthew Miller, porta-voz diplomático da Casa Branca, poucas horas depois da embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, ter também apontado nesse sentido.
"É uma resolução não vinculativa, por isso não tem impacto sobre Israel ou na sua capacidade de continuar a lutar contra o Hamas", garantiu ainda o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby.
Apesar da posição norte-americana, vários diplomatas das Nações Unidas confirmaram que se trata de uma resolução vinculativa, como é o caso dos embaixadores de Moçambique e da Serra Leoa, ambos com formação jurídica.
"Ao abrigo da Carta da ONU, todas as resolução do Conselho de Segurança da ONU são vinculativas e obrigatórias e todos os Estados-membros estão obrigados a implementar essas resoluções.”, afirmou o representante de Moçambique junto da ONU, Pedro Comissário Afonso.
A decisão foi bem recebida pela comunidade internacional. António Guterres pediu a aplicação no terreno da decisão do Conselho, a União Europeia sublinhou a “urgência” de respeitar a votação, e a Autoridade Palestiniana recebeu-a com esperança e pediu o fim da invasão de Gaza.
Caricaturas de Joe Biden e Benjamin Netanyahu, num protesto em frente à sede da ONU, em Nova Iorque. O norte-americano diz que “Israel está acima da lei”. E o israelita: “Nada nos vai parar!”
Os dois lados da guerra reagiram de forma diferente. Em comunicado, a liderança do Hamas criticou a posição de Israel e insistiu nas exigências das últimas semanas: um cessar-fogo que inclua a retirada das forças israelitas de Gaza, o regresso das populações deslocadas, e uma “troca de prisioneiros real”. O grupo que governa o enclave acusa Netanyahu de sabotar as negociações e “obstaculizar” a chegada a um entendimento.
Por outro lado, o ministro da Defesa de Israel garantiu que a guerra vai continuar enquanto houver reféns no território "Não temos o direito moral de parar a guerra enquanto houver reféns em Gaza", afirmou Yoav Gallant, em Washington, antes de reunir com o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca e o secretário de Estado norte-americano.
Conselho de Segurança da ONU reunido em dezembro de 2023
EPA/SARAH YENESEL
Outras notícias
> A força aérea dos EUA deixou cair mais ajuda humanitária sob o norte de Gaza, num total de 46 mil refeições e outros bens essenciais, anunciou o comando central norte-americano. Washington negou ser responsável por uma operação semelhante que provocou a morte de cinco palestinianos no início do mês, após os paraquedas que suportavam as embalagens não terem aberto.
> Além disso, as autoridades fronteiriças de Israel garantem que esta segunda-feira deixaram passar mais de 200 camiões com ajuda humanitária para Gaza através da fronteira com o Egipto, e outros 25 pelo lado da Jordânia. Estas operações continuam a não ser suficientes para travar a fome no enclave, aponta a comunidade internacional
> A Casa Branca também garante que Israel não está a planear invadir Rafah “nos próximos dias”. Uma ofensiva sob a cidade no sul de Gaza tem sido prometida pelo governo de Telavive como única forma de eliminar o Hamas, mas Washington tem alertado para as consequências humanitárias e exigiu ver um plano militar que proteja os civis. Hoje, os EUA também sublinharam que Israel garantiu que não vai usar armas em violação do direito internacional.
> No terreno, foram surgindo notícias de ataques e mortos ao longo do dia: as tropas de israel prenderam 300 palestinianos após uma operação no bairro residencial de Hamas, em Khan Younis, Gaza. Dezenas de pessoas ficaram feridas. Ao mesmo tempo, o braço armado do Hamas lançou rockets contra posições israelitas no hospital al-Shifa.