Palestinianos e judeus juntam-se a mais de duas mil pessoas num cordão humano em Lisboa para “defender a vida” em Gaza
JOSÉ SENA GOULÃO
Mais de duas mil pessoas juntaram-se na tarde deste sábado em Lisboa para um cordão humano que pedia paz em Gaza. Entre os portugueses, manifestaram-se alguns judeus, palestinianos e cidadãos de outras nacionalidades
Henneen Sebbh, 29 anos, fugiu de Gaza há cinco anos, depois de, juntamente com os dois filhos, ter visto "a morte de perto". Hoje, foi uma das centenas de participantes num cordão humano em Lisboa para "defender a vida".
"Em 2017, tivemos uma experiência de quase morte. A nossa casa foi bombardeada, havia muito fumo, estávamos a sufocar. Foi muito assustador", relatou a mulher à Lusa, enquanto participava num cordão humano junto à embaixada de Israel, para exigir "um cessar-fogo imediato e permanente" na Faixa de Gaza.
"Percebi que não podia ficar lá, tive de fugir da violência e procurar uma vida melhor e com mais liberdade", disse.
Natural do sul do enclave, Henneen afirmou que perdeu "muitos familiares" desde o início da ofensiva israelita em Gaza, após o ataque do grupo islamita palestiniano Hamas contra Israel, em 7 de outubro, em que morreram cerca de 1.200 pessoas e perto de 240 foram raptadas.
"Só agora consegui falar com uma das minhas irmãs. Os meus pais fugiram mais para sul há um mês e sabemos que o bairro deles foi destruído entretanto", contou.
De mão dada com outros manifestantes e a gritar “Hoje e sempre, Palestina livre”, perto da embaixada israelita, Henneen Sebbh disse que quer “defender a vida”.
“Gaza é um reflexo do mundo atual. A vida está a ser atacada em todo o lado e é preciso parar estas atrocidades”, sublinhou, sobre a intervenção israelita no enclave palestiniano que, segundo o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, já causou perto de 19 mil mortos.
Segundo a organização, no total, cerca de duas a três mil pessoas participaram no cordão humano, que passou pelo hospital de Santa Maria, embaixadas israelita e norte-americana e Maternidade Alfredo da Costa, empunhando bandeiras da Palestina e cartazes onde se lia, em inglês, “Cessar-fogo já” ou “Parem o genocídio”. Muitas usavam lenços palestinianos ('keffiyeh').
Entre os manifestantes estavam judeus, que reclamavam, num cartaz, sobre a intervenção israelita em Gaza: “Não em nosso nome – Judeus pela paz e justiça”.
“Estamos aqui, enquanto judeus, em conjunto, para expressar o nosso repúdio pela guerra de Israel em Gaza. Achamos injustificável a forma como Israel está a dizimar o povo palestiniano e dizemos 'não em nosso nome'”, afirmou à Lusa Alan Stolerfoff, de 70 anos, que integra a organização Judeus pela paz e justiça.
A mesma mensagem era transmitida por Elizabeth Deatwiler, de 38 anos, num cartaz que mostrava uma estrela de David, símbolo do judaísmo. A norte-americana, que levou o filho de 5 anos ao protesto, afirmou-se “enojada com o que Israel está a fazer”.
“O sionismo não é uma parte essencial do judaísmo. A minha religião tem mais de 3500 anos e o sionismo é uma ideologia política com 150 anos”, argumentou.
“Eu quero viver livre, não quero um Estado que me mantenha segura e certamente não um Estado que está a cometer genocídio”, considerou a norte-americana.
Envergando os tradicionais lenços timorenses ('tais'), a artista e ativista Lala Berekai comparou a luta dos palestinianos com a do povo de Timor-Leste pela sua independência contra a Indonésia.
“Pedimos que oiçam as vozes palestinianos. Pedimos ajuda humanitária urgente e um cessar-fogo imediato. O conflito de Timor-Leste só foi conhecido quando o massacre de Díli foi televisionado. Agora o mundo tem os olhos abertos e é mais que urgente pararmos o Estado colonialista que é Israel”, defendeu a timorense.
Noutro ponto do cordão humano, em frente do Hospital Santa Maria, profissionais de saúde juntaram-se ao protesto, um dia depois de ter sido divulgada uma carta aberta, com mais de 900 assinaturas, dirigida às várias ordens profissionais, exigindo o cessar-fogo “imediato e definitivo” na Faixa de Gaza e a libertação da Palestina.
O protesto em Lisboa foi organizado pela Plataforma Unitária de Solidariedade com a Palestina, para exigir um cessar-fogo, “o fim ao cerco e a entrada de ajuda humanitária sem restrições na Faixa de Gaza”, bem como “o fim da agressão nas cidades, aldeias e campos de refugiados em toda a Palestina”.