Guerra no Médio Oriente

Líderes europeus apelam a "pausas" nos bombardeamentos para entrada da ajuda humanitária em Gaza

Líderes europeus apelam a "pausas" nos bombardeamentos para entrada da ajuda humanitária em Gaza
Yves Herman/Reuters

À falta de consenso sobre o apelo a um cessar-fogo, pediram "corredores e pausas para fins humanitários". Houve unanimidade no papel, mas as declarações dos líderes europeus deixaram escapar, também, as diferentes visões e sensibilidades sobre o desenrolar do conflito

Líderes europeus apelam a "pausas" nos bombardeamentos para entrada da ajuda humanitária em Gaza

Susana Frexes

Correspondente em Bruxelas

"O Conselho Europeu manifesta a sua profunda preocupação com a deterioração da situação humanitária em Gaza". Assim começa o parágrafo que mais tempo levou a ser escrito. Foi uma complexa negociação, esta quinta-feira, para encontrar um equilíbrio entre os que pressionavam o apelo a uma pausa ou cessar-fogo humanitário e os que rejeitavam um pedido de paragem expressa na guerra entre Israel e o Hamas.

A solução passou por um "apelo a um acesso humanitário contínuo, rápido, seguro e sem entraves" para que "a ajuda chegue aos necessitados através de todas as medidas necessárias, incluindo corredores humanitários e pausas para as necessidades humanitárias".

"Pausas", no plural, são vistas como paragens temporárias e mais curtas nos bombardeamentos expressamente para garantir a entrada em segurança da ajuda humanitária. Ficam assim salvaguardas as preocupações da Alemanha, Áustria e República Checa. Os três países argumentaram que pedir uma "pausa" ou "cessar-fogo" seria lida como uma paragem longa ou definitiva da resposta militar, contrariando o direito de Israel se defender e dando espaço ao Hamas para se reorganizar.

Mas nem tudo foi um jogo de semântica para se chegar a um consenso. À entrada para a reunião ficaram claras as divergências sobre o desenrolar do conflito. Não está em causa o direito de Israel se defender - que todos reconhecem e reafirmam - mas há visões diferentes sobre a forma como Telavive cumpre a lei internacional.

O chanceler alemão "não tem dúvidas" de que o "exército israelita respeitará as regras que decorrem do direito internacional", argumentando que Israel "é um Estado democrático que se rege por princípios muito humanitários". Mas o primeiro-ministro belga é mais duro nas palavras.

Alexander de Croo reconhece que "é lógico" que Israel "tem o direito a atacar o Hamas" em resposta aos ataques terroristas, mas diz que "isso nunca pode ser uma desculpa para ações indiscriminadas, nunca pode ser uma desculpa para bloquear Gaza, nunca pode ser uma desculpa para bloquear o acesso humanitário a Gaza".

Também Pedro Sánchez se referiu às "imagens de sofrimento" na Faixa de Gaza, considerando-as "inaceitáveis" e juntando-se ao apelo do " Secretário-Geral da ONU" para abrir corredores humanitários.

É certo que não houve consenso para pedir o cessar-fogo defendido por António Guterres, mas, mesmo os que o defendiam, como é o caso do primeiro-ministro irlandês, mostram-se satisfeitos com o resultado final. "Não estou obcecado com a linguagem que utilizamos, o que queremos é que a matança e a violência parem para que a ajuda humanitária possa entrar em Gaza", afirmou Leo Varadkar aos jornalistas.

António Costa está na mesma linha. Preferia apelar a um cessar-fogo ou a uma pausa, mas o que pede agora é que ninguém fique preso "à terminologia". Diz que o essencial é que se "criem condições para que a ajuda humanitária possa existir". “Nós reconhecemos obviamente o direito de Israel responder militarmente por forma a destruir a capacidade ofensiva do Hamas. Isso é evidente. Mas nós não podemos confundir o Hamas com o povo palestiniano nem com o conjunto das pessoas que vivem em Gaza e não podemos numa operação militar contra o Hamas causar danos colaterais e uma tragédia humanitária junto de toda a população da Faixa de Gaza”, defende.

O recado é também para que Israel respeite as leis da guerra, com vários líderes a defender o fim do cerco a Gaza. Mas uma coisa é enviar recados e apelos. Outra é a União Europeia ser ouvida. Esta quinta-feira, o embaixador de Israel nas Nações Unidas rejeitava a ideia de cessar-fogo. Falta agora saber se haverá espaço para aceitar fazer "pausas para fins humanitários".

“Queremos falar e influenciar Israel e para isso é muito importante ouvir para ser ouvido”, afirmou a presidente da Comissão Europeia no final da reunião. Ursula von der Leyen defende que “foi importante” a viagem de vários líderes a Israel para "reiterar o direito à autodefesa de acordo com a lei internacional". A própria alemã foi a primeira a ir a Telavive, uma decisão que foi também alvo de várias críticas, por não ter, na altura, separado claramente o Hamas do povo palestiniano.

"Nem Israel nem o Hamas dão ouvidos à UE", diz ao Expresso o Diretor do International Crisis Group para o Médio Oriente. O analista Joost R. Hiltermann considera que "Israel só dá ouvidos aos EUA (se é que dá ouvidos a alguém)" e a "UE não tem contactos com o Hamas".

Os 27 tentam ganhar voz e peso na região face ao receio e ao risco de uma escalada do conflito, com consequências, também, para a UE. Nas conclusões, é reafirmado que é preciso "evitar" essa escalada, o que passa pela colaboração com "parceiros" regionais, "incluindo a Autoridade Palestiniana", que governa na Cisjordânia.

O bloco europeu insiste no "relançamento de um processo político" com base na solução de dois Estados, "apoiando a realização, em breve, de uma [nova] conferência internacional de paz", na sequência daquela que teve lugar no Cairo.

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