Guerra no Médio Oriente

Ataques do Hamas "não aconteceram do nada": a afirmação de Guterres que causou polémica e as reações

Ataques do Hamas "não aconteceram do nada": a afirmação de Guterres que causou polémica e as reações
Michael M. Santiago / Getty Images

Desde o pedido de demissão imediata feito pelo embaixador israelita na ONU até Telavive admitir que pode ter de reavaliar as relações com a ONU, o discurso de António Guterres na reunião do Conselho de Segurança da ONU despertou várias reações

É "importante reconhecer" que os ataques do grupo islamita Hamas "não aconteceram do nada", defendeu António Guterres na abertura de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a atual situação no Médio Oriente. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) explicou que o povo palestiniano "foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante".

"Viram as suas terras serem continuamente devoradas por colonatos e assoladas pela violência; a sua economia foi sufocada; as suas pessoas foram deslocadas e as suas casas demolidas. As suas esperanças de uma solução política para a sua situação têm vindo a desaparecer", prosseguiu Guterres.

O líder da ONU sublinhou, porém, que "as queixas do povo palestiniano não podem justificar os terríveis ataques do Hamas", frisando ainda que "esses ataques terríveis não podem justificar a punição coletiva do povo palestiniano".

Condenou ainda os "atos de terror" e "sem precedentes" de 7 de outubro perpetrados pelo Hamas em Israel, salientando que "nada pode justificar o assassinato, o ataque e o rapto deliberados de civis".

Durante a conferência, que ocorreu no 18.º dia da guerra entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas, que controla a Faixa de Gaza desde 2007, Guterres disse que o cenário está a ficar pior a cada momento e que as divisões estão a fragmentar sociedades, além das tensões ameaçarem "transbordar" para a restante região.

Disse ainda estar "profundamente preocupado com as claras violações" do direito humanitário internacional em Gaza e reiterou os seus apelos por um cessar-fogo humanitário imediato.

O ex-primeiro-ministro português exigiu ainda que todas as partes em conflito cumpram e respeitem as suas obrigações ao abrigo do direito humanitário internacional, poupem os civis na condução de operações militares, protejam os hospitais e respeitem a inviolabilidade das instalações da ONU, que atualmente abrigam mais de 600 mil palestinianos. "Deixe-me ser claro: nenhuma parte num conflito armado está acima do direito humanitário internacional", reforçou.

O secretário-geral da ONU congratulou o facto de alguma ajuda humanitária estar finalmente a entrar em Gaza, mas observou que se trata de "uma gota de ajuda num oceano de necessidades".

A população da Faixa de Gaza necessita de uma prestação contínua de ajuda a um nível que corresponda às enormes necessidades, prosseguiu Guterres, pedindo que essa ajuda seja prestada sem restrições e alertando para a questão do combustível e da água potável, dos quais os hospitais dependem.

Embaixador israelita na ONU pede demissão de Guterres

As palavras de António Guterres geraram uma cadeia de reações. Desde logo, o embaixador israelita junto da ONU, Gilad Erdan, pediu ao secretário-geral, que se demita "imediatamente" após ter dito que os ataques do Hamas "não aconteceram do nada".

"O secretário-geral da ONU, que demonstra compreensão pela campanha de assassínio em massa de crianças, mulheres e idosos, não está apto para liderar a ONU. Peço-lhe que renuncie imediatamente", escreveu o diplomata na plataforma X (antigo Twitter) .

"Não há qualquer justificação ou sentido em falar com aqueles que demonstram compaixão pelas mais terríveis atrocidades cometidas contra os cidadãos de Israel e o povo judeu. Simplesmente não há palavras", acrescentou.

Mais tarde, noutro post acusou António Guterres de ver a situação de "uma forma distorcida e imoral" e de não compreender o terrorismo.

Também o ministro israelita, Eli Cohen, ficou indignado com as palavras de António Guterres. "Senhor secretário-geral, em que mundo vive?", questionou numa reunião ministerial do Conselho de Segurança da ONU para abordar a situação no Médio Oriente, mais concretamente a guerra entre Israel e o grupo islamita Hamas, assim como a situação do povo palestiniano.

"Sem dúvida, não é no nosso", acrescentou o ministro dos Negócios Estrangeiros, mostrando imagens dos ataques do Hamas contra civis. "Esta guerra foi-nos imposta, não havia opção. Foi-nos imposta e não é apenas a guerra de Israel, mas a do mundo livre", justificou o ministro num debate aberto com uma alta participação.

"Os terroristas não têm apenas em mente a destruição de Israel: o seu sonho é o mundo inteiro", insistiu.

Cohen rejeitou qualquer possibilidade de um cessar-fogo em Gaza, conforme foi pedido pelo secretário-geral da ONU: "Como é que alguém pode aceitar um cessar-fogo com alguém que jurou matá-lo, destruir a sua própria existência?" questionou. "A resposta proporcional ao massacre de 7 de outubro é a destruição total do Hamas. Não é apenas o nosso direito, é a nossa obrigação", declarou.

Após o Conselho de Segurança, o ministro israelita informou nas redes sociais que não se irá encontrar com Guterres nesta passagem por Nova Iorque, explicando que “não há lugar para uma abordagem equilibrada”.

"Escandalosas" foi o termo usado pelas famílias dos reféns do Hamas para classificar as afirmações de António Guterres. "Que vergonha dar legitimidade a crimes contra a humanidade quando se trata de judeus! As declarações do secretário-geral da ONU são escandalosas!", afirmou o grupo de famílias dos cerca de 220 sequestrados, num comunicado.

"Crianças foram queimadas vivas, mulheres foram violadas e civis foram torturados e assassinados a sangue frio. Tudo com o objetivo de aniquilar todos os israelitas e judeus na área capturada pelo Hamas", observaram as famílias.

Consideraram ainda que o secretário-geral da ONU "ignora vergonhosamente o facto de que em 7 de outubro foi perpetrado um genocídio contra o povo judeu e até encontrou uma forma indireta de justificar os horrores que os judeus sofreram".

O Governo italiano também criticou declarações de Guterres, com o vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini a considerar os comentários "graves e inaceitáveis", segundo a agência italiana ANSA. Também afirmou que "não pode haver justificação para o terrorismo".

Telavive admite admite reavaliar relações com ONU após declarações de Guterres

Gilad Erdan, embaixador israelita, admitiu à agência Lusa que Israel iria reavaliar as relações com a ONU.

"Depois daquilo que o líder desta organização (Guterres) acabou de dizer esta manhã, apoiando o terrorismo, não há outra forma de explicar. Obviamente, o nosso Governo terá de reavaliar as relações com a ONU e os seus funcionários que estão estacionados na nossa região", explicou o representante diplomático.

Erdan acusou os representantes da ONU no terreno de "distorcerem a realidade", de não relatarem "o que realmente está a acontecer" e de "tirarem as coisas do contexto".

"Todos os números que saem de Gaza e que todos sabemos estão a ser controlados pelos terroristas do Hamas, a ONU abraça-os como se estas fossem as palavras de Deus", criticou o diplomata israelita, acrescentando que "este tipo de distorção e de falência moral é inaceitável".

Gilad Erdan exige ainda um pedido de "desculpas imediato" ao líder da ONU.

Como forma de represália, o Governo de Israel terá recusado, esta quarta-feira, um visto a ao chefe de assuntos humanitários da ONU, Martin Griffiths, segundo uma notícia do jornal “The Guardian”.

“Devido aos seus comentários, recusaremos a emissão de vistos para representantes da ONU, e já recusámos um visto ao subsecretário-geral para os assuntos humanitários, Martin Griffiths. Chegou a hora de ensinar-lhes uma lição”, declarou o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, à rádio do exército israelita.

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