Exclusivo

Médio Oriente

Quem é Abu Mohammed al-Jolani, o 'radical moderado' que derrotou o regime de Assad?

Abu Mohammed al-Jolani, discursou este domingo na famosa mesquita dos Omíadas em Damasco, depois de a capital ter sido declarada livre das forças de Bashar al-Assad
Abu Mohammed al-Jolani, discursou este domingo na famosa mesquita dos Omíadas em Damasco, depois de a capital ter sido declarada livre das forças de Bashar al-Assad
Mahmoud Hassano

A segunda intifada, o 11 de Setembro, a invasão do Iraque e cinco anos numa prisão controlada pelos EUA tornaram-no radical. Pelo desejo de liderar a queda de Bashar al-Assad, controlando a oposição interna e externa, fez-se moderado e diplomata. Derrubado o regime, Jolani largou o nome de guerra e em Damasco voltou a ser, aos 42 anos, Ahmed Hussein al-Sharaa

Quem é Abu Mohammed al-Jolani, o 'radical moderado' que derrotou o regime de Assad?

Raquel Moleiro

Jornalista

Abu Mohammed al-Jolani, 42 anos, líder do movimento Hayat Tahrir al-Sham (HTS) que esteve por trás da queda do regime de Bashar al-Assad, é um radical moderado. A definição, em si, é antagónica mas é resultado da sua história de vida e da evolução que fez dentro da ‘escola’ jiadista para alcançar o topo. Depois de décadas sem atrair grande atenção para si — são escassas as aparições e as fotografias —, lançou nas últimas semanas uma ofensiva meteórica que libertou a Síria de 13 anos de guerra civil, surgindo com discurso diplomático, educado e apaziguador, prometendo liberdade numa síria multiétnica e multirreligiosa.

Nas intervenções que foi fazendo quando os rebeldes iam ainda a caminho de Damasco, após as sucessivas conquistas de Alepo, Daraa, Palmira, Deir ez Zour ou Homs, Jolani pediu ao povo contenção na revolta contra o regime caído, travando a destruição dos edifícios e órgãos administrativos do Estado, para que o país pudesse fazer uma transição pacífica, com respeito pela diversidade religiosa e cultural.

Já não usa simbologia ou vestuário associado aos jiadistas, preferindo roupa militar, num esforço para se afastar das ligações à Al-Qaeda, de onde nasceu o seu HTS, mas com quem garante ter quebrado todos os laços. Foi então que começou a construir a imagem de líder moderado, com uma retórica suavizada, mas a maioria dos analistas e governos ocidentais ainda olham para essa transfiguração com grandes dúvidas. Aliás, o movimento integra a lista de organizações terroristas e está ativa uma recompensa de 10 milhões de dólares pela captura do seu líder.

"Se é totalmente sincero? Certamente que não. Este homem vem de uma tradição religiosa fundamentalista muito dura, mas o que ele está a fazer é a coisa mais inteligente a dizer e a fazer neste momento", explicou ao Guardian Aron Lund, do ‘thinktank’ Century International.

Aluno na prisão-escola dos jiadistas

Jolani é, na verdade, Ahmed Hussein al-Sharaa, o nome que lhe foi dado quando nasceu em 1982, na Arábia Saudita, onde o seu pai trabalhava como engenheiro petrolífero. Viveu aí sete anos, mudando-se depois para Mazzeh, em Damasco, para perto do avô que aí se instalara quando Israel ocupou os montes Golã.

Numa rara entrevista concedida, em 2021, ao "PBS Frontline", um programa de jornalismo de investigação da televisão pública dos EUA, o líder do HTS explicou que se tornou radical após a segunda intifada, em 2000. “Tinha 17 ou 18 anos na altura e comecei a pensar em como poderia cumprir os meus deveres, defendendo um povo oprimido por ocupantes e invasores”, disse. O 11 de setembro alimentou-lhe ainda mais o extremismo, passando a frequentar encontros nos subúrbios mais marginais da capital.

Atraído pela resistência à invasão do Iraque pelos EUA em 2003, partiu para Bagdade após uma longa viagem de autocarro desde Damasco, poucas semanas antes das forças norte-americanas lá chegarem. Passou os anos seguintes a progredir nas fileiras da Al-Qaeda, liderada por Al-Zarqawi, até ser capturado e enviado para Camp Bucca, também no Iraque, uma prisão controlada pelos militares norte-americanos e hoje conhecida como uma espécie de incubadora de toda uma geração de líderes jiadistas.

Ficou detido cinco anos. Foi posto em liberdade em 2011, quando os movimentos radicais começaram a ganhar força na Síria. Jolani terá então regressado a ‘casa’ com sacos cheios de dinheiro e a missão de expandir a Al-Qaeda, criando a Frente Al-Nusra. Mas, explica o jornal "Financial Times" no perfil que traçou do líder do HTS, acabou por se distanciar da Al-Qaeda e do Daesh e chegou mesmo a cortar ligações com os movimentos. Preferiu desenvolver a sua própria fação rebelde tendo por base a luta nacionalista pela Síria, afirmando até que, ao contrário do Estado Islâmico, não tinha qualquer intenção de promover ataques em países ocidentais.

Estratega de alianças

O HTS tornou-se então, mais do que uma fação militar, um movimento de oposição estruturado, que governa há vários anos 3 milhões de pessoas na província de Idlib. Jolani purgou os elementos mais radicais, rodeou-se de um grupo de jovens conselheiros, e nesta cidade estabeleceu um “governo de salvação”, com 11 ministérios, que coordena com a ONU e com muitas ONGs estrangeiras a distribuição de ajuda humanitária.

A nível nacional desenvolveu uma rede de contactos e acordos com chefes tribais, e outros grupos civis, que explica porque a ofensiva das últimas semanas avançou tão rapidamente e com pouca resistência local.

Este domingo alcançou o seu maior objetivo: derrubar o regime de Bashar al-Assad. E simbolicamente abandonou o nome de guerra e voltou a responder pelo nome de Ahmed Hussein al-Sharaa. Na histórica mesquita dos Omíadas, já rebatizado, garantiu o início de “uma nova história para toda a nação islâmica e para toda a região”. “A Síria foi limpa, graças a Deus e aos mujahideen.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RMoleiro@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate