Internacional

Macron conseguiu ou não a garantia por parte de Putin de um alívio das tensões na Ucrânia? Estamos numa luta de egos?

Ativistas ucranianos numa manifestação contra o Presidente russo Vladimir Putin, no passado domingo (foto: EPA/SERGEY DOLZHENKO)
Ativistas ucranianos numa manifestação contra o Presidente russo Vladimir Putin, no passado domingo (foto: EPA/SERGEY DOLZHENKO)

Ao contrário do que afirmou o Presidente francês, o seu homólogo russo garante não ter prometido nenhuma medida de alívio das tensões na Ucrânia. Do longo encontro de ambos parece ter sobrado apenas um jogo de egos no qual Putin, até ver, está a conseguir levar a melhor

Mais dois dias de esforço diplomático para tentar pôr fim à tensão entre a Rússia e a Ucrânia, mas essa distensão pode “demorar vários meses”, segundo explicou aos jornalistas o Presidente francês, Emmanuel Macron, após realizados encontros ao mais alto nível: primeiro reuniu-se com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, e, na terça-feira, com o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky. Macron garantiu ter conseguido junto de Putin a promessa de que não será por vontade ou ações da Rússia que a tensão se transformará em conflito activo, embora Moscovo já tenha negado ter feito promessas.

O jornal “The Guardian” escreve que fontes do Governo francês garantem que os russos concordaram em “parar com as iniciativas militares” mas o porta-voz do Kremlin já veio pôr gelo nos pulsos das potências ocidentais. “Essa percepção está errada logo na sua génese. Moscovo e Paris não podem fazer acordos, é impossível. A França é um dos países mais importantes da UE e é membro da NATO mas neste bloco há um outro país que lidera, por isso que tipo de acordos poderíamos fazer?”, perguntou Dmitri Peskov, sem esperar resposta mas esperando sim que a ideia conseguisse passar: tentar fazer acordos com Paris, quando é Washington que detém o poder, é um trabalho infrutífero.

Neste momento, como já foi explicado por vários analistas, Putin está a agir sob as vitórias negociais que tem conseguido e pode mesmo prolongar esta situação durante algum tempo. Sónia Sénica, do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova, já explicou ao Expresso (ler em baixo) que discutir nos seus próprios termos, e colocar o Ocidente a falar e a tentar abordar as exigências de Moscovo são sem dúvida vitórias para Putin e Orysia Lutsevych, diretora do programa para a Ucrânia da Chatham House, acrescentou esta terça-feira, em entrevista ao “The Guardian” que o líder da Rússia está a conquistar uma série de “vitórias táticas” sobre a Casa Branca. “A sua estratégia é plantar sementes de discórdia. Putin oferece o milagre de uma solução possível. É muito atraente para cada líder ocidental dizer: ‘Encontrei a solução! Eu sou o salvador da Europa’. Putin brinca com o ego das pessoas e isso é especialmente verdade com Macron”.

Antes de o seu porta-voz ter entrado em ação, já Putin tinha deixado bem claro que não vai vergar nem um centímetro, nem sequer na retórica. Numa conferência de imprensa com Macron, o Presidente russo exasperou-se com os jornalistas franceses – “Olhem que Rússia é uma potência militar e nuclear!” -, e, como relata o “Politico”, frisou, desafiante, que a Crimeia é russa. Caso a Ucrânia se junte à NATO, fica o aviso, “os países europeus estariam automaticamente em guerra com a Rússia”. Para Putin, “não haverá vencedores” neste conflito e os países europeus “estão a ser trazidos para o meio de um conflito contra a sua vontade”.

Tenha ou não existido uma conversa no sentido de mitigar as tensões, quem não parece pronto para acreditar, sem provas, na palavra de Putin, é Volodymyr Zelensky. “Não confio muito em compromissos verbais. Qualquer político pode optar por ser mais transparente e de facto dar passos concretos”, disse o líder ucraniano, numa conferência de imprensa conjunta com Macron após o encontro de ambos, citado pela BBC. “É ótimo estarmos abertos ao diálogo, desde que não seja só parte de um jogo”, reforçou.

Dmitri Peskov disse que Vladimir Putin agradece a Macron a “contínua busca por soluções”, mas, no mesmo comunicado pós-encontro, voltou a reforçar que não existem razões para grande otimismo. “Por enquanto não podemos dizer que existam soluções reais delineadas. Não vemos ainda a disposição dos nossos parceiros em tomar as nossas preocupações em séria consideração”.

Emmanuel Macron aproveitou o momento de atenção mediática sobre si para insistir que os Acordos de Minsk (assinados entre 2014 e 2015, numa altura de guerra aberta no leste da Ucrânia) têm de ser a base de qualquer resolução, mas para que tal aconteça é preciso começar mesmo a implantá-los, algo que não tem acontecido porque Rússia e Ucrânia nem sequer concordam na interpretação do documento. O Kremlin diz que o Governo da Ucrânia tem de reconhecer os separatistas russos nos territórios de Donetsk e Luhansk. Kiev considera que, primeiro, os separatistas têm de depor as armas e só depois se pode encontrar uma solução política para a questão da província de Donbass, da qual fazem parte ambos os territórios tomados pela Rússia e de onde já fugiram mais de um milhão de ucranianos, a maioria para zonas mais ocidentais do país.

Perante estes ataques, Macron não só não relembrou que a Crimeia foi ilegalmente anexada (é essa a posição da UE, da qual o seu país é um dos mais importantes membros) como ainda frisou que a Rússia é Europa. “Somos duas grandes nações europeias, membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas e para mim é óbvio: a Rússia é europeia. Se uma pessoa acredita na Europa, então tem de ser capaz de trabalhar com a Rússia e encontrar formas de construir um futuro para a Rússia na Europa e com os europeus”. É difícil não lembrar a prestação do chefe da diplomacia europeia, Joseph Borrell, na sua última visita a Moscovo, durante a qual o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, chamou à UE um “parceiro pouco confiável” sem nenhum contraditório de Borrell.

Para os dias 19 e 20 de fevereiro estão previstos exercícios militares entre os exércitos russo e bielorrusso, antigos aliados, e este é um ponto que preocupa bastante as cúpulas militares ucranianas: a Bielorrússia faz fronteira com a Ucrânia, a norte, e a disposição de tropas russas ao longo de mais esta fronteira, além das que estão a leste e na Crimeia, significa que o país está praticamente cercado.

O ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, disse, citado pelo diário “Guardian”, que Kiev realizará seus próprios exercícios militares, ao mesmo tempo, e em todo o país, o que inclui a região de Chernihiv, perto da fronteira com a Bielorrússia. Reznikov estima que a Rússia tem cerca de 130 mil soldados destacados em vários pontos próximos da fronteira com a Ucrânia, organizados em 72 batalhões, 11 deles na Bielorrússia. Os serviços de informações de Washington e de outros países ocidentais têm números parecidos: parece certo que pelo menos 100 mil tropas estão já desde o início do ano a ocupar posições próximas da Ucrânia. Recentemente, novas imagens de satélite mostravam que a Rússia construiu, na Crimeia, mais camaratas e outros edifícios destinados a servir de abrigo aos militares. 

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate