Vestido com camisa ucraniana típica, preta com bordados brancos, Yaroslav Yurchyshyn, do partido Holos (que significa “voz” ou “voto” em ucraniano), chegou para a entrevista com o Expresso com ar de dever cumprido. O deputado tinha votado a favor de uma lei apresentada ao Parlamento pelo Presidente do país, que não considera perfeita, mas que julga essencial para gerar consenso entre o poder, a sociedade civil e os parceiros europeus. O diploma, aprovado com 331 votos a favor e nenhum contra, e promulgado passadas duas horas por Volodymyr Zelensky, devolve a independência ao Gabinete Nacional Anticorrupção da Ucrânia (NABU) e à Procuradoria Especializada Anticorrupção (SAP).
São instituições essenciais para o caminho da adesão à União Europeia (UE), criadas em 2014 depois da Revolução da Dignidade (também conhecida como Revolução de Maidan). Zelensky argumentou que estes mecanismos tinham “forte influência russa” e, por isso, colocou NABU e SAP sob a supervisão do procurador-geral, seu aliado. O povo não gostou e saiu à rua. Kiev assistiu aos maiores protestos desde o início da invasão russa em larga escala, há três anos e meio. O Governo ucraniano mereceu fortes críticas dos parceiros europeus e arriscou-se a ver suspensos milhares de milhões de euros em ajuda externa, fundamentais para manter a economia ucraniana a funcionar.
Na manhã de quinta-feira, enquanto socorristas tentavam resgatar dos escombros as vítimas de mais um violento ataque das forças russas à capital, os parlamentares interromperam as férias e voltaram à Rada, o Parlamento ucraniano, para corrigir o “erro” da semana anterior.
Como correu a votação no Parlamento? Como descreve o ambiente?
Como esperado, ou talvez até além do esperado, a proposta foi aprovada por uma maioria muito expressiva. Como é típico da política, sobretudo agora que a sessão voltou a ser transmitida em direto, cada deputado quis declarar a sua posição ao microfone. O mais importante é que a sociedade foi ouvida. Não houve debate sério sobre se deveríamos ou não restaurar a independência das infraestruturas anticorrupção, isso foi aceite como dado adquirido. O debate foi apenas sobre a melhor forma de o fazer. No fim, todos convergiram para a proposta do Presidente, que corrigiu um erro cometido sobretudo pela sua própria equipa. E foi o melhor desfecho possível. Mesmo num contexto de lei marcial, em que os cidadãos têm meios limitados de influenciar o poder, não podem votar, estão restringidos nos seus direitos de protesto pacífico e nem sequer podem aceder livremente à zona governamental da cidade por razões de segurança, foi possível alcançar uma solução. Isso mostra que a democracia ucraniana não só continua viva em tempo de guerra como está a desenvolver-se.
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