Guerra na Ucrânia

O mau soldado Siman, muito 'гроші', muitas baixas e a espiritualidade de Putin (a guerra na Ucrânia, dia 905)

GUERRA. A Rússia invadiu a Ucrânia e transformou em soldados os civis ucranianos com idades entre os 18 e os 60 anos
GUERRA. A Rússia invadiu a Ucrânia e transformou em soldados os civis ucranianos com idades entre os 18 e os 60 anos
STANISLAV YURCHENKO / REUTERS

Filip Siman combateu ao lado do exército da Ucrânia contra Moscovo mas filmava-se a roubar cadáveres de soldados e civis assassinados pelos russos. Já no Kremlin, Putin vai abrir os cordões à bolsa para combater, não a Ucrânia, mas o “extremismo” que para ele representam os homossexuais

Tiago Palma

Jornalista

Talvez nem toda a gente seja tão pulha como se esperaria; mas como distingues hoje o bonzinho do velhaco, especialmente hoje, num tempo tão sério em que o Ferdinando levou com um balázio?

Jaroslav Hašek, “O Bom Soldado Švejk”


Tal como Švejk, o “bom soldado” na sátira de Jaroslav Hašek, também Filip Siman é checo. Também militar, não durante a Grande Guerra, mas por ocasião da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022. Tem 27 anos, Filip Siman. Ainda por contraste com Švejk, Siman não será um soldado cândido, ingénuo até, mas antes um criminoso condenado.

Esteve na Ucrânia em março de 2022, enquanto voluntário cumpriu formação junto do exército ucraniano e acabaria mesmo incorporado e a combater os invasores de Moscovo. Esteve nas cidades de Irpin e Butcha, presenciou a devastação, mas tão infame e trágico cenário não lhe retirou o ímpeto de pilhar. Pilhou objetos de civis mortos, de soldados igualmente tombados sem vida, sobretudo dinheiro, aparelhos eletrónicos e ainda armas.

Filip Siman acabaria detido pelo exército pelo qual combatia em abril de 2022 e devolvido à Chéquia. Siman fora traído por uma certa vaidade e muita jactância: a prova testemunhal contra si foram os vídeos que ele gravara enquanto pilhava.

Agora, o soldado checo foi condenado em Praga a sete anos de prisão, tendo, apesar de tudo, sido ilibado de uma segunda acusação, a de integração num exército estrangeiro sem o acordo requerido pelo seu chefe de Estado.

Diplomacia e trincheiras

Гроші é dinheiro em ucraniano e pronuncia-se “hroshi”. A Ucrânia recebeu esta terça-feira da União Europeia muito “hroshi”, 4,2 mil milhões de euros em fundos, no âmbito do chamado Mecanismo para a Ucrânia.

Esta é a primeira entrega de verbas de um total de 50 mil milhões que a Ucrânia terá de receber em subvenções e empréstimos para apoiar a estabilidade macrofinanceira do país e o funcionamento da sua administração pública. O desembolso dos pagamentos é feito sob reserva da execução das reformas e dos investimentos acordados.

De volta à guerra nas trincheiras e não diplomática, Moscovo anunciou esta terça-feira que infligiu mais de 115 mil baixas ao exército ucraniano nos últimos dois meses, durante a ofensiva no norte e leste da frente de combate.

O secretário do Conselho de Segurança russo, e ex-ministro da Defesa, Serguei Shoigu, garantiu ainda que as suas tropas “libertaram” 420 quilómetros quadrados de território, referindo-se às quatro regiões anexadas ilegalmente por Moscovo, e acrescentou outros números: 3.000 veículos blindados e outros 3.000 veículos militares foram destruídos.

Ainda segundo Shoigu, "estas quase 60 mil baixas por mês poderiam ter sido paradas se tivessem [Ucrânia] cumprido as exigências feitas pelo nosso Presidente [Vladimir Putin]". As exigências remontam a julho, quando Putin resolveu impor a Volodymyr Zelensky a renúncia da Ucrânia aos planos de adesão à NATO e a retirada das regiões anexadas.

"Cada dia de atraso na tomada de tal decisão resulta na perda de controlo sobre uma nova parte do território que os ucranianos consideram seu e, mais importante, na perda de milhares de vidas humanas. A nossa posição é clara e compreensível, as nossas tropas estão a avançar”, atirou Serguei Shoigu.

OUTRAS NOTÍCIAS EM DESTAQUE:

⇒ Ainda sobre posições de Vladimir Putin, o Presidente russo pediu, em despacho, ao Governo para desenvolver um programa para promover no exterior os "valores espirituais e morais tradicionais" do país. Esta promoção é sobretudo financeira — o programa chama-se “Rússia no Mundo” —, ainda que sem uma quantia por ora pública, e destinada a jovens, afastando-os do que Putin não tolera: o liberalismo social ocidental, que o líder russo já descreveu como "satânico". Estes valores ditos “espirituais” não são, porém, mais do que a repressão da homossexualidade e da comunidade LGBTQIA+ — o Kremlin considera-a “extremista” —, repressão essa que na Rússia levou, nos últimos meses, à detenção de cidadãos por exibirem material com o tema do arco-íris associado àquela comunidade.

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