Guerra na Ucrânia

Ucrânia recua na estratégica Chasiv Yar, viagem de Orbán a Moscovo gera mal-estar na UE (guerra, dia 863)

Imagens aéreas mostram a destruição do distrito de Novyy, em Chasiv Yar, na região de Donetsk
Imagens aéreas mostram a destruição do distrito de Novyy, em Chasiv Yar, na região de Donetsk
EPA

Depois de meses a tentar repelir as forças russas, o Exército ucraniano viu-se obrigado a abdicar parcialmente de Chasiv Yar, localidade estratégica próxima de Bahkmut. O final desta semana fica, também, marcado pelo encontro do primeiro-ministro húngaro com Putin, que levou vários líderes europeus a sublinhar que Orbán não representa a UE

Maria Monteiro

Jornalista

As tropas ucranianas foram forçadas a retirar-se de um distrito nos arredores de Chasiv Yar, localidade estratégica na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, devido à pressão russa, informou um porta-voz do Exército ucraniano, citado pela Associated Press (AP). Outrora com 12 mil habitantes, a cidade foi ficando deserta à medida que Moscovo foi avançando com o objetivo de capturá-la.

Devido à sua localização numa zona de elevada altitude, a sua conquista pela Rússia representaria um risco para as cidades vizinhas, comprometeria o funcionamento de rotas de abastecimento essenciais para a Ucrânia e deixaria as forças russas mais perto da sua pretensão declarada de obter controlo total da região de Donetsk.

Ao contrário do que aconteceu à volta de Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, onde as movimentações militares russas abrandaram nas últimas semanas, Moscovo tem avançado de forma lenta mas constante na frente leste graças à substancial vantagem que mantém no número de soldados. Numa entrevista à BBC, Anton Bayev, tenente-general da Brigada Khartia da Guarda Nacional da Ucrânia, classifica as operações russas como “assaltos de carne (meat assaults, em inglês)”, uma vez que consistem no envio de diversas unidades militares, com intervalos de poucas horas, para atacar as posições defensivas ucranianas.

“Eles usam essas unidades apenas para ver onde está o nosso equipamento de tiro e para levar os nossos soldados à exaustão”, refere o responsável militar. A tática ajuda a explicar as elevadas baixas russas sofridas desde a sua última ofensiva, há dois meses. Entre maio e junho, cerca de 1.200 soldados foram feridos ou mortos diariamente, a taxa mais elevada desde o início da guerra, segundo autoridades ocidentais citadas pela BBC.

Este está a ser um ano particularmente desafiante para Kiev, que durante vários meses viu a sua defesa levada aos limites devido à escassez de soldados e munições, agravada pelos atrasos da entrega da ajuda militar dos EUA. Segundo a emissora britânica, o ritmo do apoio do ocidente tem causado alguma frustração em Kiev. Um alto responsável, não identificado, considera que a Ucrânia “está a receber ajuda suficiente para garantir que não perde, mas não o suficiente para garantir que ganha”.

Orbán critica parceiros europeus em Moscovo

Para tentar reverter as suas fragilidades, Kiev tem tentado convencer os aliados a enviar mais armamento e sistemas de defesa anti-aérea, apelando igualmente a uma flexibilização dos limites de alvos para as forças ucranianas para que estas possam utilizar as armas ocidentais em território russo. Ao mesmo tempo, vai tentando manter as atenções da UE nas suas necessidades militares e financeiras.

Na quarta-feira, Volodymyr Zelensky recebeu em Kiev o primeiro-ministro da Hungria, país que detém atualmente a presidência rotativa do Conselho da UE. Viktor Orbán, líder eurocético que se mantém próximo de Vladimir Putin, visitou pela primeira vez a capital ucraniana desde o início do conflito para discutir a “possibilidade de se alcançar a paz”, depois de bloquear diversas vezes a assistência financeira e militar europeia à Ucrânia. Orbán defendeu um cessar-fogo com vista a negociações de paz, mas Zelensky voltou a frisar a importância de garantir uma “paz justa e duradoura”.

Apesar das divergências, Kiev viu com bons olhos a abertura de mais uma via de diálogo. Mas, esta sexta-feira, foi surpreendida com a deslocação de Viktor Orbán a Moscovo naquilo que este considerou ser a “continuação da sua missão de paz” durante a liderança semestral húngara do Conselho da UE. Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano criticou o encontro entre Orbán e Putin, realizado “sem qualquer acordo ou coordenação com a Ucrânia”. “Lembramos que para o nosso país o princípio ‘nenhum acordo sobre a Ucrânia sem a Ucrânia’ permanece inviolável”, salientou.

A visita do chefe de Governo húngaro a Moscovo destoa da postura assumida, ao longo dos últimos dois anos e meio, por parte da União Europeia (UE) e causou alvoroço nas instituições europeias. Foram vários os líderes que se apressaram a garantir que Orbán não representa o bloco no diálogo com Putin. O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, disse que a viagem se “insere exclusivamente no quadro das relações bilaterais” entre a Hungria e a Rússia e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que “o apaziguamento não vai travar Putin”. Vários chefes de Governo, incluindo Luís Montenegro, condenaram a viagem do primeiro-ministro húngaro à Rússia.

Apesar de reconhecer que não tem mandato para negociar em nome da UE, Viktor Orbán teceu várias críticas aos países europeus e ao próprio bloco, sublinhou, numa entrevista à rádio pública Kossuth, que “não se pode fazer a paz a partir de uma poltrona confortável em Bruxelas”. O secretário-geral cessante da NATO, Jens Stoltenberg, disse ter sido informado da visita pela Hungria, mas reforçou que Orbán “está a representar o seu próprio país”.

Outras notícias que marcaram o dia:

Vladimir Putin acredita que Donald Trump está a ser sincero quando diz querer acabar com a guerra na Ucrânia caso seja eleito, noticiou o ‘The Guardian’. O Presidente russo falava durante uma conferência de imprensa no Cazaquistão, onde decorreu a cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (OCS). Putin afirmou, também, que continua a preferir que Joe Biden permaneça na Casa Branca.

⇒ O primeiro-ministro indiano vai realizar uma visita oficial a Moscovo na segunda-feira, informou o Kremlin na quinta-feira. Esta será a primeira visita de Narendra Modi ao país desde a invasão da Ucrânia, que a Índia se recusou a condenar explicitamente devido aos fortes laços comerciais que mantém com Moscovo. Modi esteve pela última vez na Rússia em 2019 e recebeu Putin em Nova Deli em 2021.

⇒ Em vésperas da cimeira anual da NATO, que acontece entre 9 e 11 de julho, o secretário-geral da NATO disse que espera que a Ucrânia possa integrar a Aliança Atlântica até 2034, avançou a agência noticiosa alemã dpa. Além disso, Jens Stoltenberg apelou a um aumento da assistência militar a Kiev.


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