Todos os líderes de regimes autoritários têm o seu corta-fitas. Portugal não foi excepção, claro: Oliveira Salazar, presidente do Conselho, e Américo Thomaz, Presidente da República, conviveram no poder entre 1958 e 1968, uma década em que o segundo existiu somente (ou quase) entre inaugurações, solenidades e acenares positivos. Tudo o que um líder (autoritário) não quer ter é um homem de mão ambicioso, que lhe passe a perna, que lhe faça sombra.
Putin, empossado novamente Presidente esta semana, resolveu (sem surpresa) reconduzir hoje, sexta-feira, Mikhail Mishustin — de 58 anos e há quatro em funções — no cargo de primeiro-ministro da Rússia. Diz a lei russa que Mishustin deveria renunciar ao cargo quando Putin fosse empossado, podendo, ou não, o Presidente reconduzi-lo. E diz a lei russa ainda que cabe à Duma agora fazer aprovar, ou rejeitar, a recondução. Sendo esta câmara baixa do Parlamento controlada pelo Kremlin, a manutenção de Mishustin é mera formalidade.
Putin confia em Mishustin. Mishustin é sobretudo um funcionário, vindo da chefia dos serviços fiscais da Rússia, um burocrata que complica pouco ou nada, discreto, longe dos focos, das entrevistas, de declarações políticas e grandes parangonas, mas Mishustin, consideram os observadores, tem uma qualidade muito admirada pelo Presidente: não tem ambições. E vai continuar a ser assim.
Enquanto na Rússia nada de novo acontece, na frente de guerra, e mais concretamente na zona fronteiriça, Volodymyr Zelensky, Presidente ucraniano, garante que se vem travando uma “batalha feroz” entre tropas invasoras russas e ucranianos. Em Kharkiv, no nordeste do país, Zelensky fala de uma “nova vaga de ações de contraofensiva [terrestre]”, mas garante que “sabia disso” e que a Ucrânia se preparou.
Kharkiv é, ou pode ser, essencial no desfecho do conflito. Ocupada e, depois, libertada logo em 2022, esta região tem a segunda maior cidade do país e tem sido um alvo preferencial das bombas russas nestes últimos meses — e Kiev teme por uma nova invasão da região.
Para já, uma alta patente do comando militar ucraniano confirma que as forças de Moscovo “entraram um quilómetro em território ucraniano”, dimensão que pode vir a aumentar, uma vez que o exército ucraniano está, consideram os analistas, enfraquecido pelos grandes atrasos do Ocidente quanto ao fornecimento de armamento. O que também tem faltado à Ucrânia são militares.
Mas podem também faltar à Rússia. Aos milhares. Kiev informou esta sexta-feira que mais de 35 mil militares russos manifestaram vontade de aderir ao plano de desmobilização proposto pela Ucrânia — e que abrange desertores que atravessem a fronteira e que rejeitem voltar a participar no conflito. Mais diz Kiev: 260 militares já o fizeram, englobando, avança o Ministério da Defesa, operacionais de várias categorias e escalões. "Todos eles cruzaram a linha de frente e estão seguros, sob a proteção do Estado ucraniano e do Direito internacional”, afirmou um porta-voz ministerial.
Se quiserem permanecer na Ucrânia quando terminar o conflito, “irão ter essa oportunidade”. Se quiserem regressar à Rússia, o Ministério da Defesa ucraniano também o prevê: são registados como capturados e prisioneiros de guerra – e não enquanto desertores –, evitando-se que tenham problemas no futuro com a lei russa.
OUTRAS NOTÍCIAS:
⇒ Mais um drone, mais uma refinaria pelos ares. Desta feita, em Kaluga, a cerca de 200 quilómetros de Moscovo. Os ataques ucranianos têm visado principalmente este tipo de instalações (na quinta-feira, na região de Bashkiria, o alvo de Kiev foi uma fábrica petroquímica da estatal Gazprom) pois, assim, é travado o fornecimento de combustível às tropas russas na frente de guerra. A estes dois casos, somam-se ataques a refinarias em Rostov, Samara, Krasnodar ou Nizhny Novgorod, uma das maiores da Rússia.
⇒ €370 milhões: é quanto o Presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou esta sexta-feira que irá enviar à Ucrânia brevemente. Este novo pacote de ajuda inclui “artigos e serviços do Departamento de Defesa”, explicou o Presidente. Concretamente, os “artigos” incluem, além de armas, mísseis Patriot, mísseis antiaéreos Stinger ou veículos de combate. Em abril, Joe Biden promulgou (depois de meses de bloqueio no Congresso dos EUA) uma lei que permite o envio de armas no valor de €55 mil milhões.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: tpalma@expresso.impresa.pt