Guerra na Ucrânia

O inimigo que vem de dentro: Putin vs Prigozhin

O inimigo que vem de dentro: Putin vs Prigozhin

Daniela Nunes

Investigadora no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica

Volodymyr Zelensky pode ter perdido o primeiro lugar no pódio das inquietações do Presidente russo. Agora, o inimigo vem de dentro. Até onde irá Putin para travar a rebelião?

A revolta do líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, veio confirmar um velho princípio político, várias vezes ilustrado pela História: o triunfo exterior traz prosperidade interior; o insucesso traz instabilidade, insatisfação, questionamento. Podemos estar perante o brotar deste questionamento na Rússia, mas não podemos ter a certeza sobre onde ele conduzirá. Isso dependerá em grande medida de uma só figura central: Vladimir Putin. Desenganem-se, porém, aqueles que depositam na “marcha pela justiça” encabeçada por Prigozhin a esperança de um “finalmente”. Não estamos, certamente, diante de um game over ao jogo bélico do Presidente russo. Putin não é Gorbatchov, por isso mesmo não reagirá a esta revolta como Gorbatchov reagiu ao Golpe de Agosto de 1991.

A História pode repetir-se, mas os homens, como os líderes políticos, não. Até onde irá Putin para travar a rebelião? Nenhum episódio ou período histórico pode fornecer-nos uma resposta segura a esta questão, exatamente porque os homens não se repetem. O fator humano (ou o fator Putin) imprime no futuro dos acontecimentos recentes muita imprevisibilidade, mas há cenários inevitavelmente imagináveis.

O discurso de Putin à nação, horas após a insurreição de Prigozhin, colocou em cima da mesa várias pistas para uma adivinhação tentativa daquilo que pode acontecer. Das comparações históricas à promessa de uma punição para os traidores da pátria, este discurso deixa claro o estado de ebulição em que Moscovo se encontra. De repente, a guerra “lá de fora” chega ao coração da Rússia, minando-a a partir de dentro.

Não podemos estar certos sobre o nível de preparação do regime russo para esta que Putin considerou ser uma punhalada pelas costas, mas sabemos que o líder russo está ciente do desafio que tem em mãos. Sabemo-lo porque ele o compara ao desafio bolchevique da Revolução Russa de 1917: “Foi o mesmo tipo de golpe que a Rússia enfrentou em 1917, quando o país entrou na Primeira Guerra Mundial”. Recorde-se que o fim do czarismo na Rússia, com o assassinato do Czar e sua família, resultou deste golpe. Mas Putin também não é Nicolau II.

O seu discurso é um apelo claro e emocionado, no sentido em que não mascara o seu estado de irritação, à união e à não promoção de lutas internas na Rússia. Por outro lado, é simultaneamente uma declaração inequívoca, também ela algo emocionada, de que uma resposta severa está garantida para os autores da turbulência que assolou Moscovo e todos os russos nas últimas horas. Este discurso anuncia uma crise que o próprio líder russo não procura ignorar ou relativizar, o que revela particularmente a gravidade da situação.

A possibilidade de uma guerra civil na Rússia está longe de poder ser descartada. Para a avaliar o quão provável ela pode ser no futuro próximo, é preciso esperar para perceber até que ponto Prigozhin consegue ou não angariar a simpatia dos militares do exército russo. Uma vez reorientados para a “marcha pela justiça”, isto é, se os militares russos se virarem para a causa de Prigozhin, a guerra civil torna-se o mais provável dos cenários. Mas que Rússia sairá de uma guerra civil? Entre a sede de poder de Putin e o currículo de um mercenário, qual é o pior dos remédios? Prigozhin, sublinhe-se, não é o salvador dos russos, como os autores do Golpe de Agosto de 1991 não foram os salvadores dos soviéticos. Prigozhin é o rosto à frente das fraturas expostas de uma Rússia da qual ele próprio faz parte.

Na Ucrânia, o Presidente Zelensky fala em autodestruição e debilidade russas, “quem escolhe o caminho do mal destrói-se a si próprio”. Nos próximos dias, é possível que as atenções se desloquem ligeiramente a leste e os ucranianos pressintam alguma paz proveniente dos conflitos internos da Rússia. Mas a guerra na Ucrânia não terminou, razão pela qual é importante que este prelúdio falso de paz não crie brechas entre as forças, a causa e a resistência ucranianas.

O mundo assiste atenta e receosamente ao que cada minuto traz de novo à situação na Rússia. Sem surpresa, Putin já terá recebido o apoio de representantes na Turquia, na Bielorrússia, no Cazaquistão e na Chechénia. No ocidente, a palavra de ordem entre boa parte dos líderes e organizações internacionais como a NATO é prudência.

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