Guerra na Ucrânia

A guerra vista por quem a preconizou: “Estamos num momento muito difícil. Mas não podemos perder, seria o fim da Rússia”

12 maio 2023 10:11

Alexandr Dugin durante o funeral da filha, Darya, vítima de carro armadilhado em agosto de 2022

kirill kudryavtsev/afp/getty images

Aleksandr Dugin, filósofo político e ideólogo de Vladimir Putin, defende em entrevista ao Expresso que a invasão da Ucrânia foi uma questão de “sobrevivência”. “Estamos a lutar contra o Ocidente, que tenta escravizar-nos"

12 maio 2023 10:11

Aleksandr Dugin é, no mínimo, alguém que despertou as atenções da imprensa ocidental após décadas ao serviço de teorias como o eurasianismo e da predição — há quem prefira ‘preparação’ — da guerra civilizacional entre a Rússia e o Ocidente. No máximo, será um homem de grande influência junto das elites políticas russas, mais concretamente de Vladimir Putin. É uma proximidade que Dugin sempre negou. Numa rara entrevista que deu ao Expresso, o inacessível filósofo, ­cientista político e grande opositor do liberalismo admite, no entanto, que o título de “guru” e “Rasputine” do Presidente russo lhe valeu um alvo nas costas. Não tem dúvidas de que a filha, Darya Dugina, que morreu em agosto numa explosão de um carro, pagou com a vida o preço das ideias antiocidentais.

A decisão russa de invadir a Ucrânia foi uma questão de estratégia ou de sobrevivência?

Foi por sobrevivência, mas também foi estratégico. A Ucrânia é o limite da civilização russa. Em tempos primitivos, aquele foi o berço do nosso povo. Quando a Ucrânia reivindica a importância que teve, está correta. Todos nós, todo o nosso povo, pertencíamos ao mesmo berço. Mais tarde, parte da população ucraniana foi integrada na Polónia e na Áustria e perdeu identidade política e ideológica. Mas conservou a fé cristã ortodoxa. A identidade artificial — nacionalista, nazi e ultranacionalista — na Ucrânia foi aceite pelo Ocidente como única. Essa foi a grande alavanca para o conflito interno após 2014. A operação militar especial foi uma missão atrasada. Tínhamos de o ter feito em 2014. Por algum motivo as estratégias unipolares envolveram a Rússia num processo que seria para a paz (acordos de Minsk II) e que foi a continuação da propaganda nazi dentro da Ucrânia, a criação da russofobia no regime de Kiev. A Rússia atacou primeiro, mas foi um passo defensivo, preventivo. Está a ser muito mau para ambos os lados. Não conseguimos atingir os nossos objetivos tão facilmente como presumíamos. Desperdiçámos oito anos desde 2014 e parece-nos agora que os ucranianos estavam mais preparados para isto. Não usámos esse tempo para nos tornarmos mais fortes. Caí­mos, mais uma vez, na armadilha do Ocidente. Os liberais russos que se encontram na Rússia trabalharam todos estes anos a sabotar-nos. Estamos num momento muito difícil e numa posição incómoda, porque não conseguimos vencer com a facilidade que queríamos. Mas não podemos perder, porque isso seria o fim da Rússia. Todos aqui entendem o preço real da guerra. Para nós, tornou-se a “guerra patriótica”, a “grande guerra de sacrifício patriótico”, já não lhe chamamos “operação militar especial”.