Guerra na Ucrânia

Morte e indiferença das lideranças: russos do grupo Wagner relatam experiências na guerra e processo de recrutamento

Mercenários do grupo Wagner
Mercenários do grupo Wagner
Ukrinform

Dois ex-combatentes do grupo Wagner, agora presos pelos ucranianos, contaram à CNN Internacional os horrores vividos em batalha e as promessas e mentiras com que foram aliciados no processo de recrutamento, quando eram reclusos na Rússia

Dois ex-combatentes do grupo russo Wagner foram capturados por forças ucranianas no final de 2022. Desde a morte à indiferença dos próprios comandantes, estes dois cidadãos russos contaram à CNN Internacional a sua experiência ao serviço do grupo aliado de Putin.

Os dois combatentes, segundo revelam, estavam na prisão - um deles a cumprir uma sentença de 20 anos -, mas foram recrutados para a guerra. “Éramos 90. Sessenta morreram naquele primeiro ataque", relembrou um dos ex-soldados. “Se um grupo não tiver sucesso, outro é enviado imediatamente. Se o segundo não for bem sucedido, eles enviam outro grupo”, disse, tentando ilustrar a indiferença das lideranças russas com os soldados que combatem pelo país.

O outro combatente estava envolvido num ataque que durou cinco dias na fronteira de Luhansk-Donetsk. “Os primeiros passos na floresta foram difíceis por causa de todas as minas terrestres espalhadas. De 10 rapazes, sete foram mortos imediatamente”, contou. Contou, também, que não podiam ajudar os feridos, porque as forças ucranianas estavam a disparar. Os feridos tinham de se “desenrascar”: se "não houvesse ninguém por perto, tinham de administrar os primeiros socorros” a si próprios.

Alguns soldados ficaram na floresta e largaram as armas - desistiram - “mas largar as armas é ficar sob fogo e morrer”. Ambos viram dezenas de combatentes morrer. "Quando as vítimas chegam, recebes ordens para carregá-las e não pensas realmente em quem está morto e quem está ferido”, disse um dos combatentes.

No geral, ambos pensavam numa só coisa: a sobrevivência. Contaram terem acabdo por ficar insensíveis às baixas e à morte dos soldados ucranianos que enfrentaram. “Pensava que iria sentir algo [depois de matar alguém], mas não, apenas continuas."

Por várias vezes caminharam por locais perigosos, minados, e não podiam recuar sem para isso terem recebido ordens. “Se não cumprirmos a ordem [de continuar], somos mortos”, disse um dos soldados do grupo Wagner. E relatou uma situação específica: “Um homem estava no seu primeiro assalto. Recebemos uma ordem para correr para a frente. Mas o homem escondeu-se debaixo de uma árvore e recusou-se [prosseguir]. Contaram ao comando e ele foi levado a 50 metros da base. Estava a cavar a sua própria sepultura e depois foi baleado.”

Guerra em ‘liberdade’ em vez da prisão

Os dois mercenários citados pela CNN foram recrutados pelo grupo Wagner em agosto e setembro de 2022. O líder do grupo, Yevgeny Prigozhin, chegou de helicóptero às prisões onde estavam detidos e ofereceu contratos de seis meses em troca de perdão judicial, ou seja, ficariam em liberdade após os seis meses de combate na frente de guerra.

Um dos homens ainda tinha 10 anos de prisão pela frente após uma condenação por homicídio. “Achei que seis meses era melhor do que os 10 ou 11 anos que ainda poderia passar na prisão", afirmou. A maioria dos seus colegas tinham a mesma motivação e foram ‘libertados’ de sentenças longas. Segundo a “CNN”, estima-se que o Grupo Wagner tenha recrutado entre 40 a 50 mil prisioneiros russos.

Os dois soldados russos referem que os processos de seleção eram básicos e até os mais velhos eram selecionados: bastava estarem aptos para marchar. “Levaram quase toda a gente.” Logo após o recrutamento, os prisioneiros foram levados para os campos de treino na região de Rostov, na Rússia. O treino também era básico, apenas para saberem manusear as armas.

“Ele [o líder do grupo Wagner] não mencionou nada sobre perigo”, alertou um dos ex-combatentes, sentindo-se enganado. “Ele referiu a eliminação de todas as condenações, cumpriríamos seis meses, todas as condenações seriam eliminadas, um adiantamento de 240.000 rublos [cerca de 3 mil euros ao câmbio atual] e também que a nossa tarefa era a de manter a defesa na segunda linha”, explicou.

“Eles estavam a inventar mentiras para nos levar à guerra contra os ucranianos”, acusou um dos russos. Agora, arrependem-se da escolha que fizeram e apenas querem voltar para casa.

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