Guerra na Ucrânia

“Isso é um absoluto disparate, sou condutor de autocarros”: a unidade militar secreta do Kremlin que está a atacar a Ucrânia com mísseis

Foto da unidade militar do Kremlin responsável pelo lançamento de mísseis, partilhada por um dos seus membros.
Foto da unidade militar do Kremlin responsável pelo lançamento de mísseis, partilhada por um dos seus membros.
Bellingcat

Uma investigação conjunta dos sites “Bellingcat”, “The Insider” e da revista “Der Spiegel” identificou e falou com os engenheiros militares que têm matado à distância – a partir de Moscovo e de São Petersburgo – centenas de ucranianos nas últimas semanas. Apesar das provas, a maioria negou a guerra e a sua função: são agricultores, canalizadores e até floristas, garantem

O site de investigação "Bellingcat" descobriu a unidade militar russa responsável pelos ataques reiterados de mísseis contra território ucraniano nas últimas semanas. Esta unidade “clandestina” opera em Moscovo e em São Petersburgo, e os seus membros são sobretudo jovens engenheiros com experiência profissional em programação, matemática, tecnologias da informação e até gaming (jogos de computador).

Os ataques de alta precisão iniciados pela Rússia a 10 de outubro são a maior ofensiva de mísseis coordenada pelo Kremlin desde o início da guerra: já mataram e feriram centenas de ucranianos, destruindo casas, parques infantis, jardins de infância e outras infraestruturas civis; e também centrais energéticas, deixando milhões de pessoas sem acesso a eletricidade.

A equipa responsável por estes ataques é composta por vários engenheiros que já tinham estado envolvidos na guerra da Síria, entre 2016 e 2021. Alguns deles foram inclusive condecorados por Vladimir Putin pelo ‘serviço’ prestado a Moscovo (e ao regime de Bashar Al-Assad) durante esse período.

O Bellingcat utilizou fontes de informação ‘open source’ e metadados de telecomunicações (registos de chamadas e mensagens, por exemplo) para identificar os militares desta unidade secreta, “enterrada” num departamento das forças armadas russas denominado GVC (qualquer coisa como Centro Principal de Computação do Estado Maior), supostamente responsável por prestar auxílio informático aos funcionários do ministério da Defesa.

“Assassinos de controlo remoto”

O portal de investigação e fact-checking contactou todos os militares desta unidade que conseguiu identificar (cerca de 30, incluindo quatro mulheres), incluindo aquele que aparenta ser o responsável máximo da equipa: o Coronel Igor Bagnyuk, um dos que foi condecorado por Putin pelo seu ‘trabalho’ na Síria.

Um dos membros mais importantes da equipa é Matvey Lyubavin, nascido em 1992 e graduado no Instituto de Engenharia Militar Naval de São Petersburgo em 2014: teve vários empregos civis desde então, incluindo numa empresa farmacêutica, passou férias no estrangeiro, e até fez parte de uma associação cívica independente.

Matvey Lyubavin trabalha no GVC pelo menos desde 2020, e foi contactado pela Bellingcat em abril: “Seja profissional. Faça uma pergunta concreta”, respondeu ao jornalista quando questionado sobre o que sentia sabendo que o seu trabalho estava a matar dezenas de pessoas. Depois disso, o militar declinou responder à publicação.

Outro engenheiro da unidade, o capitão Yuriy Nikonov, garantiu que desconhecia o trabalho da GVC e a existência da atual guerra quando foi confrontado pelos jornalistas via Telegram. Garantiu que era um condutor de autocarros e que a sua ligação à unidade militar era um “perfeito disparate”.

Outros militares responsáveis pelos ataques garantiram que tinham profissões civis – um canalizador, um agricultor e até uma florista – mesmo depois de confrontados com fotos suas em uniformes militares com outros colegas da GVC.

Esta investigação do Bellingcat, titulada “Os assassinos de controlo remoto por trás dos ataques com mísseis da Rússia na Ucrânia”, foi realizada ao longo dos últimos seis meses, em parceria com o “The Insider”, um portal de investigação russo que opera a partir da Letónia, e com a revista alemã “Der Spiegel”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: tsoares@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas