O que se sabe sobre a explosão na ponte que liga a Rússia continental à península da Crimeia, anexada por Moscovo em 2014. Com 19 quilómetros de extensão a ponte sobre o estreito de Kertch que liga o Mar Negro ao Mar de Azov, há muito que está na mira do exército ucraniano que a considera um símbolo da opressão russa.
O que aconteceu?
Às seis horas sete minutos deste sábado (mais duas horas do que em Portugal) um camião armadilhado explodiu no tabuleiro rodoviário da ponte sobre o estreito de Kertch, do lado da península de Taman, e provocou o incêndio de sete vagões de combustível que circulavam no tabuleiro ferroviário. O relatório do Comité Nacional Antiterrorismo citado pela agência RIA- Novosti dá conta que o incêndio se encontra extinto e provocou o “colapso parcial” de duas secções rodoviárias da ponte. A explosão não causou vítimas e o incêndio é dado como extinto.
A circulação na ponte continua interrompida, mas a navegação no estreito não foi totalmente afetada. Mas os danos materiais são evidentes nas imagens vindas a público.
O governador russo da Crimeia Sergei Aksyonov anunciou já que os trabalhos de reconstrução começarão logo que esteja terminada a investigação sobre as causas da explosão.
Quem provocou a explosão?
Até ao momento ninguém reivindicou a autoria da explosão. Do lado russo, Vladimir Konstantinov, líder do Parlamento da Crimeia, aponta o dedo a “vândalos ucranianos”, a porta-voz do MNE russo fala de “atos terroristas” provocados pela Ucrânia, enquanto outros responsáveis russos se mostram mais prudentes nas suas declarações. Porém, por várias vezes o exército ucraniano já considerou que a ponte, construída por Moscovo em 2018, se trata de um objetivo militar.
Para Mikhaïlo Podoliak, um dos conselheiros do presidente ucraniano, a explosão “é o início”. No Twitter, Podoliak escreveu este sábado que “tudo o que é ilegal deve ser destruído, tudo o que foi roubado deve ser devolvido à Ucrânia tudo o que está ocupado pela Rússia deve ser expulso", acrescentou. Também, o secretário do Conselho de Segurança ucraniano, Oleksiy Danilov, fez uma publicação no Twitter com imagens da ponte a arder, cuja banda sonora era Marilyn Monroe “parabéns senhor presidente”, numa alusão aos 70 anos que Vladimir Putin, completou ontem.
Qual a importância da ponte?
Com cerca de 19 kms de comprimento e atingindo uma altura superior à da Estátua da Liberdade, o projeto da ponte de Kerch para a península ocupada foi a jóia da coroa dos projetos de infraestrutura de Vladimir Putin – descritos nos média do regime como a “construção do século”. Quando o presidente russo a inaugurou em maio de 2018, vincou a sua importância: “Em diferentes épocas históricas, mesmo sob os czares, as pessoas sonhavam em construir esta ponte. Eles voltaram a essa [ideia] nos anos 1930, 40, 50. E finalmente, graças ao seu trabalho e talento, o milagre aconteceu agora”, conta o The Guardian.
A construção da ponte, constituída na prática por duas pontes paralelas uma ferroviária e outra rodoviária levou três anos e desde a sua conclusão por lá terão atravessado cerca de 15 milhões de veículos, segundo as estatísticas russas. A maior ponte da Europa permite a circulação de 40 mil veículos por dia, 14 milhões de passageiros e 13 milhões de toneladas de carga anualmente, segundo a Ria Novosti.
Que importância tem esta ligação à Crimeia?
Em primeiro lugar, era um elemento simbólico, prova de força de Putin e Moscovo. Não apenas pela sua construção (ver acima), mas também pela sua alegada inviolabilidade. Há apenas três meses as autoridades russas garantiam que era inatacável, por causa de 20 modos diferentes de proteção que a cobriam, incluindo golfinhos militares.
O ataque desta madrugada reforça a ideia de um fracasso militar russo, precisamente na região que conseguiu anexar (sem qualquer reconhecimento internacional para além dos maiores aliados) em 2014.
Do ponto de vista militar, parece ser central também: a única ligação entre a Rússia continental e a península da Crimeia é considerada vital para as operações logísticas russas no atual conflito, pois trata-se de uma ponte rodo-ferroviária que permite não só a circulação de mercadorias, mas também de tropas e material de guerra.
De acordo com o The Guardian, a ponte foi uma importante linha de abastecimento logístico não apenas para as forças russas na Crimeia ocupada, mas também em outros lugares no sul da Ucrânia, onde as forças russas estão em retirada, sendo até “a principal linha de abastecimento da Rússia continental, incluindo a linha ferroviária para Melitopol”.
Um especialista militar , Michael Clarke, disse à Sky News que a ponte é a “única ligação entre a Rússia e a Crimeia que não passa pela Ucrânia”. E que, agora, os russos enfrentam a necessidade de levar suprimentos "pelo mar para Mariupol e depois terão que usar a única linha ferroviária em condições - que agora está perto do alcance da artilharia ucraniana". "Isso dará à Ucrânia duas a três semanas de vantagem até que isso seja consertado", acrescentou o especialista na mesma estação.
E agora? Como responderá Moscovo?
Nas várias declarações públicas vindas do Kremlin ou da Crimeia não há ainda qualquer pista, mas por várias vezes o líder russo avisou que defenderá todos os territórios anexados usando “todas os meios” - uma declaração repetida há uma semana que deixou os líderes ocidentais de novo com receio de que Putin admita usar uma arma nuclear tática para provar o seu poder e recuperar a ofensiva na Ucrânia. Sob pressão interna face aos falhanços das últimas semanas, num canal russo no Telegram já há quem o defenda abertamente:
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