“Um dia, vão ser os liberais, pessoas como eu, a defender Putin de ser morto pelas massas”

Em julho de 2021 Dobrokhotov foi preso, ficou sem passaporte, e a família, residente em Moscovo, passou a receber com frequência a visita dos agentes do FSB, as secretas russas. Agora está sediado em Riga, capital da Letónia, na companhia de centenas de outros jornalistas e intelectuais russos que desejam manter uma relativa proximidade a casa, e anda pela Europa a explicar a importância de não baixar os braços na guerra contra a desinformação. Falou com o Expresso no âmbito da edição deste ano das Conferências do Estoril

Como é que esta guerra mudou a Rússia? Ouvimos muito sobre as mudanças no Ocidente, os preços, a questão da dependência energética, novos membros da NATO, mas e na Rússia? A vida mudou desde 24 de fevereiro de 2022?
As pessoas apoiam menos o Governo de Putin do que já apoiaram mas claro que isso não se vê no discurso público, porque existe muito medo. O que mudou mesmo é o contrato social entre o poder e as pessoas. Antigamente, o Governo respondia às principais necessidades, havia emprego, podia viver-se quase como em qualquer país do leste europeu, viajar, alimentar a família, desde que não se falasse de política, desde que não houvesse críticas nem ingerências na forma como o Governo é gerido.

Este contrato começou a degradar-se em 2014, com a guerra no Donbas, e agora, com a guerra em grande escala, não existe. Agora, as pessoas estão em silêncio porque têm medo, não porque ainda consideram que este Governo esteja a honrar qualquer contrato. Na realidade, parece que nada mudou mas tudo mudou. Assim que este Governo se mostre minimamente fraco, vai ser derrubado imediatamente pelos russos que querem um regresso à vida normal, que não querem ser vistos como inimigos por todo o mundo.