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Guerra na Ucrânia

“É hora de fugir”, disse Zelensky aos soldados russos. Contraofensiva em Kherson vai resultar ou é “operação de charme” para ocidental ver?

A Ucrânia está a investir na reconquista do distrito de Kherson, a partir de vários pontos ao longo da linha administrativa que o separa do distrito de Mykolaiv, que a Ucrânia controla
A Ucrânia está a investir na reconquista do distrito de Kherson, a partir de vários pontos ao longo da linha administrativa que o separa do distrito de Mykolaiv, que a Ucrânia controla
DIMITAR DILKOFF/Getty Images

O major-general Arnaut Moreira chama à guerra da Ucrânia “uma guerra das aldeias”, porque, sem superioridade aérea, a conquista casa a casa é tudo o que os ucranianos podem fazer. Kherson não é impossível de reconquistar mas vai demorar. Será que é realista pensar em reconquistar o distrito que os russos dominaram logo no início da guerra? E por que é que Kherson é mais importante que outras cidades ocupadas? A resposta a seis perguntas essenciais para entender a nova fase da guerra

Qual a razão que pode ter levado a Ucrânia a anunciar uma ofensiva? Na guerra, o factor surpresa deixou de ser importante?
A Ucrânia já há alguns meses ia dando indicações de que a situação militar em Kherson poderia ser invertida e para isso muito contribuíram os equipamentos militares ocidentais que foram servindo para o ataque ucraniano às retaguardas russas. Uma indicação mais clara de que esta ofensiva estaria iminente foi a destruição de infraestruturas rodoviárias que atravessavam o rio Dnieper - e que eram as linhas de abastecimento dos russos a norte. O anúncio é sempre estranho, sim, do ponto de vista militar muito se ganha em manter o segredo em relação a estes anúncios. Mas a pressão a que a Ucrânia está sujeita, obrigou-a a ser mais explícita.

De onde vem essa pressão?
Em primeiro lugar, foi preciso dar um certo conforto político às populações europeias, mostrar que a guerra continua em evolução, não está parada, e que, de alguma forma, o ímpeto militar se inverteu, e que a Ucrânia está agora na ofensiva. Depois, claro, há a necessidade de dar esperança aos cidadãos ucranianos que, de repente, se viram a viver em territórios ocupados, que a sua libertação está iminente, até porque só assim podem continuar a ter algum motivo para resistir à russificação. Um terceiro ponto é o desgaste das forças russas nesta região, que é não só militar como psicológico também, sentem-se isoladas e têm medo de já não conseguir retirar para o sul do Dnieper, se precisarem.

Quais são os objetivos da Ucrânia com esta contraofensiva?
São de duas ordens: os estratégicos e os políticos. Os estratégicos começaram a revelar-se entre maio e junho, quando as tropas russas perderam o ímpeto nesta região e os seus avanços deixaram de ser significativos. Isto para os ucranianos é importante porque conseguiram contrariar dois objetivos importantes da Rússia: impediram o caminho para Odessa e também impediram que a Rússia controlasse toda a baía do Dnieper, em Zaporíjia. Faltou-lhes capacidade e a Ucrânia percebeu a manobra. Agora pretende recuperar Kherson e tornar muito mais difícil uma futura operação russa sobre Odessa. Conquistar a cidade representaria o fim do acesso ucraniano ao Mar Negro, seria o controlo total do sul. O outro objetivo é o de colocar pressão sobre o canal do norte do Dnieper, ao qual a Crimeia vai beber a sua água, a partir do momento em que a Rússia deixe de controlar o norte da albufeira, fica enfraquecida.

E quais são os objetivos de natureza política?
Kherson foi o primeiro distrito ocupado, a primeira região sujeita a uma intensa russificação. A Ucrânia quer assegurar que nunca se reúnem as condições necessárias à realização de uma consulta popular com vista à anexação. Sem segurança, com o foco das tropas preso ao combate, esse referendo não se pode realizar, ou é mais difícil que se organize.

E de que forma é que a Ucrânia espera atingir todos estes objetivos? É realista esta ideia de recuperação de todo o distrito de Kherson?
Passámos esta guerra toda à espera das grandes manobras militares e não vimos nenhuma, é uma guerra das aldeias. É muito natural que assim continue. Por questões de segurança, as ações de formação das tropas ucranianas acontece no exterior. Ora, o conjunto de forças que está a ser formado são forças de infantaria e seria muito anormal que, de repente, víssemos formações de carros blindados e outros veículos de combate, forças pesadas, a entrar por território russo dentro, isto quando a Ucrânia não dispõe de superioridade aérea. Sem ela, os militares ucranianos optam por conquistar aldeia a aldeia, têm um número reduzido de homens e veículos alocados para cada operação, porque se os alvos fossem maiores poderiam ser apetecíveis aos russos, que aí não se importariam nada de desperdiçar mísseis balísticos - e o exército ucraniano seria dizimado. A recuperação do território total de Kherson parece-me difícil, no entanto é possível, só que nunca será imediata porque a Ucrânia vai utilizar forças de pequena dimensão, como eu disse, para nunca fornecer alvos interessantes. Há condições para que a Ucrânia possa recuperar território a norte do Dnieper, apesar de isso ir demorar algum tempo.

E este esforço concentrado em Kherson vai retirar força às unidades que ainda estão a tentar defender o que resta do Donbas ucraniano?
Os ucranianos têm mais a ganhar com a conquista de Kherson do que com a defesa de uma cidade de média dimensão no Donbas. Quando a guerra começou, em 2014, Sloviansk foi tomado pelas forças pró-russas e os ucranianos recuperaram-na depois, tal como a outras cidades, é possível de fazer mas pelas razões que expliquei em cima, Kherson tem muita importância, estratégica e política.


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