Três combatentes estrangeiros que lutavam na Ucrânia contra forças russas foram esta quinta-feira condenados à morte por um tribunal da região separatista de Donetsk. A agência de notícias russa RIA Novosti publicou imagens dos homens a assumirem-se “culpados” das acusações contra eles, entre estas o crime de terrorismo, organização criminosa, usurpação de poder e retenção forçada de poder. Entre esse momento e o veredicto passaram cinco dias.
Dois dos condenados têm nacionalidade britânica e um terceiro é marroquino, de acordo com a agência e com os meios de comunicação internacionais que começaram por denunciar a prisão dos três homens, há cerca de um mês. São os primeiros combatentes estrangeiros a enfrentar um tribunal, depois de alegadamente terem sido capturados por soldados russos na cidade ocupada de Mariupol no início de abril.
Uma das hipóteses avançadas para este veredito severo (antes de ter sido conhecido a hipótese avançadas pelos jornais tinha sido sempre a de virem a passar anos na prisão, sem previsão de uma condenação à morte) é a necessidade da Rússia em encontrar forma de pressionar o Reino Unido e o Governo de Kiev a entregarem alguns prisioneiros de guerra russos que tenham já sido condenados por crimes de guerra em tribunais ucranianos. A Rússia tem em vigor uma moratória sobre a pena de morte, mas o mesmo não acontece nos territórios ocupados do leste da Ucrânia. Donestk é uma "república" separatista desde 2014, finalmente reconhecida por Moscovo em fevereiro deste ano, mas não é território russo.
A família de um dos cidadãos britânicos, Aiden Aslin, de 28 anos, enviou um comunicado à imprensa britânica no qual revela que Aslin pertencia ao exército ucraniano há quatro anos. “Ao contrário do que diz a propaganda russa, ele não é um voluntário, nem um mercenário, nem um espião”, cita o diário britânico “Guardian”. Mas a BBC refere que também a família de Shaun Pinner, 48, confirma que o cidadãos britânico é um membro regular do exército e que vive na Ucrânia desde 2018.
A 18 de abril, a emissora estatal Rossyia-24 publicou dois vídeos onde ambos pediam ajuda ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, para serem libertados, mas nada foi acordado desde esse momento até ao veredito desta quinta-feira. Sobre o cidadão marroquino que também foi condenado, Saaudun Brahim, quase nada se sabe. Apenas que também se declarou culpado pela maioria dos crimes, dizendo apenas que não é mercenário - e por isso não aceitaria o crime de “mercenarismo”, tal como os outros dois.
Robert Jenrick, deputado por Newark, em Nottinghamshire, onde Aslin tinha residência, já comentou o caso e explicou que o seu constituinte é um cidadão britânico “que também tem cidadania ucraniana, é casado com uma ucraniana e ingressou nas forças armadas de forma normal, antes da invasão ilegal de Vladimir Putin”. Jenrick acusou ainda a Rússia de “quebrar completamente a lei internacional”.
O mesmo disse a família deste soldado, no mesmo comunicado citado pelo "Guardian": “A Rússia está a violar as convenções de Genebra ao publicar um vídeo de Aslin a falar sob coação, claramente após ter sofrido ferimentos físicos”. Também Shaun Pinner disse em tribunal ser um membro ativo do exército, e por isso protegido pelas alíneas da convenção que se referem aos prisioneiros de guerra (que, de qualquer forma, também fazem referência à proteção de membros de milícias e grupos voluntários).
Pinner, de Watford, Bedfordshire, confessou-se igualmente “culpado” dos crimes acima descritos, mas observadores internacionais dizem que o julgamento não cumpriu as mais básicas regras de imparcialidade. “As autoridades russas escolheram fazer destes dois britânicos um exemplo e eu considero isso uma vergonha. Esperamos que uma troca de prisioneiros ocorra num futuro próximo”, disse ainda Robert Jenrick, no programa da manhã da Radio 4 da BBC.
Entre outros pontos, a Convenção de Genebra fala da importância de um julgamento justo. Está proibida pela lei internacional “a entrega de sentenças e/ou a autorização para execução sem prévia sentença proferida por um tribunal regularmente constituído que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados”.
Uma estranha entrevista
O documentarista britânico, Graham Phillips, banido da Ucrânia pela sua cobertura pró-russa em 2014 e medalhado pelos serviços secretos russos, entrevistou Aslin e nesse vídeo o prisioneiro diz que não vê razão para que lhe poupem a vida em tribunal.
Durante a “entrevista”, Phillips diz várias vezes que a Ucrânia é governada por nazis, que Aslin tem imensa sorte em ter sido capturado pelos russos, que há milhares de pessoas mortas pela Ucrânia na região do Donbas, etc. Aslin diz que se deixou enganar, pensando que os ucranianos “eram os bons” e que tinha sido sempre bem tratado pelos soldados russos. Mais recentemente, o mesmo Phillips colocou no Twitter uma fotografia do livro de Adolf Hitler “Mein Kampf”, alegadamente encontrado em casa de um ucraniano de Donbas, como prova das simpatias fascistas dos ucranianos. Entretanto a sua conta na rede social já não existe.
A Ucrânia já condenou três soldados russos por crimes que o tribunal considerou terem ocorrido durante a ocupação. Vadim Shishimarin, 21 anos, foi condenado a prisão perpétua por matar um civil de 62 anos na região de Sumy, nordeste da Ucrânia, no início da guerra. Dois outros soldados, Alexander Bobikin e Alexander Ivanov, foram condenados a 11 anos de prisão por ataques de artilharia contra centros populacionais que “violaram as leis e os costumes da guerra”. Alguns grupos de defesa dos direitos humanos também expressaram na altura dúvidas de que um tribunal ucraniano pudesse julgar com imparcialidade crimes de guerra praticados por russos, principalmente quando se dá o caso de ainda haver uma guerra a decorrer.
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