O "New York Times" escreveu que em meados de Maio os Estados Unidos enviaram um alerta a 14 países – a maioria deles em África – de que navios de carga russos estavam a transportar “cereais ucranianos roubados”.
Um porta-voz do Departamento de Estado citado pelo NYT recusou comentar o conteúdo da comunicação, mas frisou que há “numerosos testemunhos de agricultores ucranianos e evidência documental a mostrar roubo de cereais ucranianos por parte da Rússia”, acrescentando que os EUA estão a trabalhar com outros países para “prevenir a venda de cereais que provavelmente foram roubados da Ucrânia”.
Na sexta-feira, o embaixador de Kiev em Ancara disse que a Turquia está entre os países que recebem cereais roubados à Ucrânia, escreveu a Reuters. Vasyl Bodnar disse que a Rússia está a exportar cereais roubados a partir da Crimeia e que a Ucrânia está a trabalhar com a Turquia e a Interpol para descobrir quem está por detrás dessas ações. “Fizemos o nosso apelo por ajuda à Turquia e depois de uma sugestão do lado turco, estamos a avançar com casos criminais contra quem está a roubar e vender os cereais”, disse.
Mas a Ucrânia aponta que a situação envolve outros países estrangeiros. Segundo a Reuters, a embaixada ucraniana em Beirute disse que foram enviadas mais de cem mil toneladas de trigo à Síria, que é um dos cinco países que votou contra uma resolução das Nações Unidas a condenar a invasão da Ucrânia.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) alerta que a guerra pode aumentar a subnutrição crónica em mais 18,8 milhões de pessoas até ao próximo ano. Além disso, diz que a destruição de infraestrutura agrícola e a quebra de cadeias de fornecimento alimentar “está a afetar a segurança alimentar em populações já vulneráveis”. Em conjunto, a Ucrânia e a Rússia exportam 30% do trigo e da cevada do mercado global.
Hassan Khannenje, diretor do HORN Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, disse ao NYT que os países vão prestar atenção “se o Ocidente conseguir dar alternativas”, mas que “ser histérico em relação a isso só os vai empurrar mais para os braços da Rússia”.
Para alguns países, perante uma crise alimentar, rejeitar cereais roubados não é uma opção. Segundo Khannenje, “é tão severa” a necessidade de comida que “não é algo que precisam de debater”.
Apelos e acusações
Foi também na sexta-feira que Macky Sall, Presidente do Senegal e líder da União Africana (UA), se reuniu com Vladimir Putin, numa tentativa de reverter a crise alimentar. "Devia estar ciente de que os nossos países, mesmo estando longe do palco [de guerra], são vítimas desta crise económica”, disse Sall a Putin, e apelou à libertação dos cereais e fertilizantes armazenados na Ucrânia.
O Kremlin tem afastado responsabilidades em relação à crise alimentar, apesar da Rússia ter bloqueado a exportação de milhões de toneladas de cereais da Ucrânia, culpabilizando antes as sanções ocidentais. “Os erros dos países ocidentais em política económica ao longo de muitos anos e sanções ilegítimas levaram a uma onda na inflação global, à disrupção das cadeias de fornecimento e a um aumento acentuado da pobreza e escassez alimentar”, disse esta segunda-feira Putin, num discurso.
Do lado da Ucrânia, a falta de confiança nas promessas russas persiste. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, escreveu no Twitter que não se pode confiar no Presidente russo. “Putin diz que não utilizará rotas comerciais para atacar Odessa. Este é o mesmo Putin que disse ao chanceler alemão Scholz e ao Presidente francês Macron que não atacaria a Ucrânia – dias antes de lançar uma invasão em grande escala do nosso país”, escreveu.
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