Guerra na Ucrânia

A análise dos serviços secretos dos EUA à guerra na Ucrânia: Putin prepara-se "para um conflito prolongado" e quer ir "além do Donbas"

A análise dos serviços secretos dos EUA à guerra na Ucrânia: Putin prepara-se "para um conflito prolongado" e quer ir "além do Donbas"
KEVIN LAMARQUE

Os mais altos representantes dos serviços secretos norte-americanos, que mantêm o Departamento de Defesa dos EUA informado, disseram perante o Senado norte-americano que acreditam que a Rússia vai tornar-se "mais imprevisível" e avançar na "escalada" do conflito durante os próximos meses. Prevê-se "uma guerra de desgaste" porque, neste momento, ambos os lados acreditam que podem continuar a progredir militarmente, pelo que não é previsível que se abra "um caminho viável de negociação"

Os serviços secretos dos EUA acreditam que a guerra na Ucrânia se deve tornar "mais imprevisível" e sofrer uma "escalada" nos próximos meses, revelou a diretora dos Serviços de Informação do país ao Congresso, na terça-feira.

De acordo com a CNN, Avril Haines pintou um quadro sombrio, pontuado de incerteza, quando se referiu à próxima fase da invasão, que, disse ao Senado, não apresenta sinais de estar próxima do fim. Mesmo que a Rússia tenha sucesso no Donbas, onde estão atualmente concentrados os esforços militares, esse combate não deverá pôr termo à ofensiva. "Não estamos confiantes de que as lutas no Donbas acabarão efetivamente com a guerra", admitiu a responsável.

Os serviços de informação norte-americanos consideram agora que Putin está "a preparar-se para um conflito prolongado na Ucrânia, durante o qual ainda pretende alcançar objetivos que vão além do Donbas", analisou Avril Haines.

Os movimentos da Rússia nos próximos meses, tal como tem acontecido desde o começo da guerra, resumem-se às vontades de um só homem, Putin, referiu a chefe dos serviços secretos dos EUA. As decisões do Presidente russo tornar-se-ão cada vez mais difíceis de prever nos próximos meses, mesmo para os serviços de informação, em parte porque "Putin enfrenta um descompasso entre as suas ambições e as atuais capacidades militares convencionais da Rússia".

"No mínimo, acreditamos que a dicotomia dará início a um período de tomada de decisão mais 'ad hoc' na Rússia, tanto no que diz respeito aos ajustes nacionais necessários para sustentar esse impulso, quanto ao que se refere ao conflito militar com a Ucrânia e o Ocidente." Esta análise, de acordo com Avril Haines, permite antecipar que "a tendência atual aumenta a probabilidade de Putin recorrer a meios mais drásticos, incluindo a imposição da lei marcial, a reorientação da produção industrial ou ações militares potencialmente escaladas".

Anadolu Agency

Avril Haines acredita que a Rússia se sentirá impelida a libertar os recursos necessários para alcançar os seus objetivos à medida que o conflito se arrasta. Se Moscovo ainda ambicionar concretizar objetivos em larga escala neste conflito – que os serviços secretos dizem incluir a construção de uma ponte terrestre em torno da baía sul do país para a Moldávia –, terá de lançar uma ação de mobilização militar completa na Rússia, um passo que até agora não foi dado.

A curto prazo, Putin pretende capturar totalmente as regiões de Donets e Luhansk, "esmagar" as forças ucranianas que lutam para manter a linha da frente no leste e ocupar a região de Kherson. É ainda um objetivo fixado pela Rússia controlar o abastecimento de água da Crimeia, assinalou a alta funcionária.

O tenente-general Scott Berrier também salientou, durante a audiência, que o conflito chegou a um impasse. "As forças russas não estão a vencer, os ucranianos não estão a vencer, e estamos a assistir a um impasse", explicou. Pelo mesmo motivo, Avril Haines descreveu o estado do conflito como "uma guerra de desgaste". Pelo menos por enquanto, como ambos os lados acreditam que podem continuar a progredir militarmente, não é previsível que se abra "um caminho viável de negociação, a curto prazo".

Avril Haines
Win McNamee

A ameaça nuclear

Apesar de reconhecerem algum grau de incerteza, os EUA não acreditam que haja qualquer ameaça "iminente" de que Vladimir Putin opte por usar armas nucleares. Esta hipótese, desacreditada para já por Avril Haines e Scott Berrier, não significa que Washington ignore que o aumento do apoio ocidental à Ucrânia provocará a Rússia.

"Obviamente, estamos numa posição de apoio à Ucrânia, mas também não queremos ver-nos na III Guerra Mundial, e não queremos ter uma situação em que os protagonistas estejam a recorrer a armas nucleares", sintetizou Avril Haines, que caracteriza como "potencialmente iminente" essa solução extrema por parte da Rússia. Putin provavelmente só recorreria a armas nucleares se se apercebesse de uma ameaça existencial ao seu regime ou à Rússia, disse a alta representante dos serviços de informação dos Estados Unidos da América. É um cenário hipotético que se concretizaria apenas se Putin acreditasse que estava a perder a guerra na Ucrânia, em particular se acreditasse que a NATO "estava a intervir ou prestes a intervir".

"Mas há muitas coisas que Putin faria no contexto de escalada antes de recorrer a armas nucleares, e provavelmente anunciaria ou daria sinais diferentes dos que deu até agora, antes de fazê-lo", concluiu Avril Haines.

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