O Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) está a receber, desde o início da guerra na Ucrânia, relatórios semanais do impacto no ambiente provocado pela invasão das tropas russas, que apontam para a “destruição massiva da Natureza” e a “criação deliberada de riscos ambientais”.
Os relatórios a que o Expresso teve acesso, enviados à sede do PNUA em Nairobi (Quénia) pelo Ministério da Proteção Ambiental e Recursos Naturais da Ucrânia destacam, em especial, a poluição dos rios, lagos e aquíferos provocada pela guerra, “que tem um impacto ambiental transfronteiriço negativo noutros países da região”. E alguns riscos – incluindo o nuclear – “ameaçam o ambiente a uma escala continental e global”.
Danos consideráveis em 1/3 das áreas protegidas
Os documentos revelam também que um terço do território das áreas protegidas da Ucrânia está a ser usado pelas tropas russas em operações militares. Por isso, “dezenas de reservas da Natureza e da biosfera, bem como parques nacionais, já sofreram danos consideráveis devido à agressão russa”. Mais concretamente, as tropas invasoras “estão a conduzir operações militares em 900 áreas protegidas que totalizam 12.406 quilómetros quadrados”. O Ministério da Proteção Ambiental ucraniano está especialmente preocupado “com a destruição de sítios Ramsar nas costas do mar de Azov e do Mar Negro e nas margens dos rios Danúbio e Deniepre”. A Convenção sobre Zonas Húmidas, mais conhecida por Convenção Ramsar (cidade iraniana onde foi assinada), é considerada o primeiro tratado global sobre conservação.
Parte das florestas das regiões de Chernihiv, Sumy (norte), Lugansk, Donetsk (leste) e Kherson (sul) estão neste momento sob controlo dos militares russos “e têm já um grande número de mísseis que não explodiram e artilharia”, adiantam os mesmos relatórios, acrescentando que “a experiência histórica destas ocorrências mostra que são uma ameaça potencial para as populações humanas e para a biodiversidade durante décadas”.
A destruição de barragens e de infraestruturas de tratamento de águas, esgotos e resíduos sólidos urbanos nas regiões de Kharkiv e Zaporizhya provocaram inundações, poluição de rios, lagos e aquíferos e contaminação de solos.
Por outro lado, bombardeamentos a instalações industriais na região de Lugansk (leste) libertaram para a atmosfera grandes quantidades de ácido nítrico. Na região de Lviv (oeste) e noutras cidades, os ataques a depósitos de combustíveis poluíram a bacia do rio Vístula e ameaçam países fronteiriços como a Polónia.
Sistemas de segurança nuclear roubados ou destruídos em Chernobil
Depois de as forças de ocupação russas abandonarem a Zona de Exclusão de Chernobil (a norte de Kiev), as autoridades ucranianas verificaram que há elevados níveis de radiação em certas áreas, libertação de poeiras altamente radioativas, ameaças de explosão e problemas logísticos graves, porque os militares russos roubaram ou destruíram equipamentos de laboratórios radiológicos, incluindo equipamento fornecido pela Universidade de Fukushima, cidade japonesa onde ocorreu um acidente na central nuclear em 2011 devido a um tsunami (três dos seis reatores derreteram). E há materiais radioativos destinados a investigação nesses laboratórios que desapareceram.
O sistema de proteção física do complexo de descontaminação, transporte, processamento e armazenamento do lixo radioativo da central nuclear de Chernobil foi também danificado. Ao mesmo tempo, os russos pilharam os escritórios e os bens pessoais dos trabalhadores e roubaram camiões, tratores, carros de bombeiros e combustíveis necessários à manutenção da segurança da central, onde o reator que explodiu no acidente de 1986 está encerrado, juntamente com 200 toneladas de combustível nuclear, num sarcófago gigante de betão, aço e chumbo.
Os bombardeamentos russos danificaram também as instalações do Instituto de Física e Tecnologia de Kharkiv (leste), que investigava materiais radioativos, tendo sido particularmente atingidos o edifício da instalação nuclear, o laboratório de isótopos, o fornecimento de energia, a estação de bombagem e as torres de arrefecimento.
Minas tornam agricultura impossível em 50% do território
Oleh Bondar, um dos responsáveis do Serviço de Emergência Estatal da Ucrânia, afirmou recentemente que 300.000 quilómetros quadrados do território do país (cerca de 50%) não podem ser usados para a agricultura, porque foram minados em larga escala pelas tropas russas, que deixaram também no terreno grandes quantidades de munições.
O Ministério da Proteção Ambiental e Recursos Naturais ucraniano calcula que mais de 5000 unidades de equipamento militar russo de vários tipos tenham sido destruídas, o que equivale a mais de 85.000 toneladas de aço, alumínio, cobre, titânio, magnésio, platina, ouro, prata e metais pesados no solo. “Mas reciclar estes metais é um processo complexo e demorado que exige o controlo do Estado”.
Os invasores russos usaram ainda munições incendiárias com fósforo branco, banido por tratados internacionais assinados pela própria Rússia, nos bombardeamentos a 12 cidades da Ucrânia, incluindo Mariupol, porto do Mar Negro. “Estes ataques constituem uma ameaça de fogos em larga escala e de contaminação química dos solos”, alerta o mesmo Ministério.