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Guerra na Ucrânia

"O sucesso histórico das sanções não é significativo, mas os efeitos nas economias ocidentais... E são democracias, as pessoas votam"

Rajan Menon
Rajan Menon

Se amanhã acordar com a notícia de que o Presidente da Rússia foi removido do seu cargo, Rajan Menon espantar-se-á, mas será apenas mais um motivo de surpresa. A atual guerra na Ucrânia tem tido o condão de fazer o especialista em Ciência Política e Relações Internacionais abismar-se. Se tivesse de escolher sobre o início, o meio ou o fim, o investigador norte-americano apontaria que o conflito está entre as duas primeiras fases. Longe do fim da guerra, há, no entanto, uma sucessão de mal-estendidos a esclarecer, afirma

Professor de Ciência Política da City College of New York, Rajan Menon dedica-se há mais de 30 anos ao estudo da ordem mundial saída da União Soviética.

Em 1986, escreveu "Soviet Power and the Third World". Três anos depois, a obra "Limits to Soviet Power", e, nos anos subsequentes, ainda se tornou autor de "Russia, the Caucasus, and Central Asia : the 21st Century Security Environment", "Energy and Conflict in Central Asia and the Caucasus" e de "Conflict in Ukraine: The Unwinding of the Post–Cold War Order".

Distinguido nos Estados Unidos pelo contributo na área das relações internacionais da Ásia, da Rússia e dos Estados pós-soviéticos, admite que também foi apanhado de surpresa por esta invasão total da Ucrânia, iniciada a 24 de fevereiro e consumada há mais de um mês. O investigador acredita que, para já, Putin não enfrenta oposição interna suficiente que o faça parar, mas reconhece que há muitas áreas cinzentas no que diz respeito aos factos que marcam este conflito. Muito se saberá depois, e Rajan Menon revela ao Expresso os aspetos que mais merecem a sua curiosidade.

Tem havido alguma retirada de tropas russas junto a algumas cidades, como Kiev, Chernihiv e Sumy, mas também tem aumentado a intensidade dos ataques, até a civis, em outros pontos do território ucraniano. A Rússia tem a intenção de aliviar a escalada militar?
Tenho de confessar que tendo a não acreditar em nada que a Rússia diga neste momento. Vamos começar pelo ajuntamento de tropas em dezembro. O Governo norte-americano avisou: "Vai haver uma invasão, vai haver uma invasão." E, na verdade, muitas pessoas não acreditavam nisso. Eu não acreditava... Em parte, porque os nossos serviços secretos não foram muito precisos nos anos mais recentes. Desta vez, o Governo norte-americano estava certo. Mas a reação russa era: "Biden está a tentar gerar o pânico, isso é falso. É o Ocidente a colocar a Rússia nos holofotes, porque nós não temos qualquer intenção de invadir, muito menos de fazer uma invasão em larga escala."

Há muita desinformação a aparecer. E, nas últimas negociações, foi dito que haveria uma retirada de Kiev e Chernihiv. Não há qualquer indicação de que o estejam a fazer. Não é claro... Acredito que até quisessem chegar mais perto dessas cidades e colocar mais artilharia para manter a pressão, mas mover os militares para este. Há um exército ucraniano mais vasto a este. Cinquenta mil pessoas, ou até mais. E os russos têm tentado cercar essa armada. Não têm sido bem sucedidos, e, por isso, precisam de forças para o fazer. Mas a pressão sobre Kiev e Chernihiv mantém-se, como pudemos ver pelo que se passou em Bucha.

Como descreve os principais movimentos estratégicos das tropas russas no território ucraniano? Para onde se movimentam, que cidades estão a ser mais fustigadas? Consegue enumerar os objetivos táticos?
O principal objetivo neste momento é fazer capitular de uma vez por todas a cidade de Mariupol, perto do Mar de Azov e da fronteira russa. Essa cidade é importante, porque, se a conseguirem dominar, terão um corredor de terra entre a Rússia e a Crimeia. Há um grande debate acerca de se esse é ou não um grande objetivo, mas eu penso que é. Eles têm de tomar Mariupol.

Mariupol está praticamente arruinada, é uma cidade destruída. Uma coisa estranha sobre as guerras é que, assim que se destrói uma cidade, entrar e tomar o seu controlo é muito mais perigoso, porque há pessoas lá que dizem: "Estamos acabados, vamos lutar até à morte." Foi o que aconteceu em Grozni [na Chechénia] nos anos 1990. Bombardearam Grozni e depois entraram na cidade, mas tiveram perdas muito significativas. Por isso, continuaram a atacar e fizeram um cerco, cortando o acesso de água e criando uma grande crise humanitária. Mas a cidade mantém-se de pé.

Em segundo lugar, o exército ucraniano a leste... Os militares russos querem cercá-lo e arranjar forma de o fazerem render-se. Por isso, penso que o principal teatro de operações não é perto de Kiev ou Chernihiv - não minimizo o que lá se passa -, mas no leste. Os russos tentarão tomar o máximo de território que conseguirem, para que Putin, no final desta guerra, possa dizer: "Vêem? Consegui isto." Porque, se ele não conseguir apresentar vitória nenhuma, a pergunta ser-lhe-á colocada: "Começar uma guerra para quê?"

No início desta invasão total, falava-se mais na visão imperialista de Vladimir Putin, nas suas aspirações territoriais, na vontade de ir além da Ucrânia. Nos últimos dias, tem-se voltado a falar na ameaça que paira sobre a Geórgia. Voltou a ser uma ameaça real?
Os russos têm as mãos ocupadas com a Ucrânia. Têm um exército de 200 mil pessoas cuja manutenção no terreno será muito cara. É preciso ir reabastecendo as tropas com vários recursos, desde água a combustível, munições a material médico. Invadir a Geórgia, que ainda é um membro aspirante à NATO, seria uma absoluta loucura. Seja o que for que Putin é, ele não é louco.

Penso que ele começou esta guerra esperando um resultado completamente diferente. Esperava que houvesse muito pouca resistência ucraniana, e assim tomar Kiev e Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, muito rapidamente. Penso que está surpreso com o que está a ver. Temos de observar muito atentamente que mudanças políticas serão feitas no seu círculo interno da administração.

Mas, no início desta guerra, haveria na cabeça de Putin alguma ilusão? De que poderia, como fizeram os nazis, conquistar vários países da Europa em seis semanas, por exemplo?
Penso que ele definitivamente acreditava que podia vencer a guerra contra a Ucrânia, alterando o Governo de Kiev. Isso alteraria todo o cenário político, porque teria um Governo corrupto. O problema é que a Ucrânia é um país de 44 milhões de pessoas, e, em termos de área, se colocarmos a Rússia de parte, é o maior país da Europa. Se removesse o Governo no poder e colocasse um outro em substituição, quanto tempo duraria se as tropas russas abandonassem o território? Por quanto tempo se teria de fazer 'babysitting' deste novo Governo neste país que não está feliz por ter os russos lá?

Iniciar esta guerra foi um passo incrivelmente insensato. Não havia qualquer hipótese de a Ucrânia ser integrada na NATO. Toda a gente sabia... A NATO tem feito a Ucrânia esperar por 14 anos, desde a Cimeira de Bucareste, em 2008. Mas, de alguma forma, Putin esperava que venceria esta guerra, tinha uma grande confiança nisso.

Na História das guerras, isto não é incomum: a crença de que o outro país é muito fraco, de que o nosso é muito forte, capaz de lutar e de vencer rapidamente... Ninguém inicia uma guerra pensando que durará 20 anos. Todos os países esperam uma vitória rápida.

Há pouco falou de Mariupol, que está há três semanas para cair "dentro de dias". Essas previsões têm sido feitas, mas acredita realmente que alguma cidade ucraniana capitulará nos próximos dias?
Mariupol é a cidade a que temos de estar mais atentos, porque as coisas lá estão muito complicadas. Mas muitos dos combatentes que estão na cidade são pessoas que estão dispostas a continuar a lutar. Por isso, poderemos não vê-lo a acontecer tão cedo...

Outras cidades, como Kharkiv, Kiev e Chernihiv, não deverão cair. Penso que até têm estado a fazer progressos. Sumy, outra cidade no nordeste, fez alguns avanços, criando alguma distância entre a cidade e as forças russas.

Por isso, devemos lembrar-nos que, exceto Mariupol, os russos não têm conseguido capturar grandes cidades. Fizeram alguns progressos a sul, tomando grande parte da costa do Mar Negro. Agora estão retidos porque querem assumir o controlo de Mykolaiv e Odessa, para completar toda a costa do Mar Negro. Ainda não conseguiram isso.

Quais são as conquistas realistas para a Rússia nas próximas semanas, e quais seriam os objetivos que fariam a diferença para a sua ofensiva?
Os objetivos que seriam mais significativos seriam dois: capturar Mariupol e cercar o exército ucraniano a leste. Dessa forma, os ucranianos teriam um grande problema em mãos. O maior segmento da sua armada acabaria por se render ou ficaria cercado, e isso não seria bom... Há analistas muito atentos ao leste neste momento.

Há tanta coisa que tem surpreendido os especialistas - incluindo eu - nesta guerra... Sinto-me muito relutante quanto a fazer previsões. Mas diria: observemos o leste e o sudeste com muita atenção.

O que o surpreendeu mais, além da resistência por parte dos ucranianos?
Tudo. Na verdade, eu nem esperava que esta guerra acontecesse. Os analistas também não esperavam uma invasão total da Ucrânia. Parecia tão louco fazer tal coisa... Eu sabia que haveria resistência ucraniana, mas não esperava que se saísse tão bem. Em parte, é porque eles têm-se preparado para uma invasão, e também por causa do treino militar e armas fornecidos pelos norte-americanos. Ainda assim, não pensava que se sairiam tão bem.

Também não esperava ver o exército russo a sair-se tão mal, porque, depois da guerra com a Geórgia, em 2008, os russos detetaram alguns problemas e perceberam o que tinham de modificar. "Temos de investir muito dinheiro e reformar as nossas forças." Este deveria ser o exército novo e reformado da Rússia. Tem sido mesmo surpreendente.

As delegações russa e ucraniana têm mostrado ter diferentes visões sobre como estão a correr as negociações. Algum dos lados está neste momento a divulgar informações que possam sustentar alguma previsão sobre o que estará no acordo de paz?
Diria que os ucranianos divulgaram uma fórmula para a neutralidade: não se juntarem à NATO ou a qualquer aliança, o que significa não terem tropas estrangeiras no seu território. Os russos podem encarar isso como uma grande vitória. A questão reside nas garantias de oito ou nove países, mas o país que vai fazer a diferença no que diz respeito às garantias será os Estados Unidos. Porque grande parte dos países não faz a diferença, militarmente falando. Os Estados Unidos da América, sim. Por isso, o que está em causa é uma garantia norte-americana. Podemos disfarçar e mascarar as coisas falando em garantias multilaterais, mas o que está em causa é uma garantia norte-americana.

De alguma forma, ao abdicarem da NATO, os ucranianos estão a tentar conseguir algo ainda melhor do que o artigo n.º 5. Porque, segundo a fórmula ucraniana, terá de haver consultas até três dias após um ataque, e, depois disso, se a guerra continuar, tem de ser fornecida assistência à Ucrânia, incluindo intervenções e encerramento do espaço aéreo. É como dizerem: "Se formos atacados, vocês vêm lutar connosco." Eu esperava que os russos dissessem que isso é inaceitável, mas não disseram nada sobre isso. Talvez estejam a pensar: "A neutralidade da Ucrânia não é uma coisa má, por isso..."

No entanto, como disse, a grande barreira para um acordo de paz será os ucranianos exigirem a retirada de todas as tropas russas de todos os territórios da Ucrânia atacados desde 24 de fevereiro. Penso que Putin não pode fazer isso porque "tem de levar para casa algum prémio". Como isso irá resultar? Dependerá de qual será a situação no terreno em cada ronda de negociações.

Sobre o lado ucraniano, temos de nos interrogar: a determinado ponto, dirão que há tanta destruição no país que terão de arranjar qualquer acordo? Na Crimeia, há uma fórmula estranha... Durante, vamos dizer, 15 anos, não será atingido um acordo nessa matéria. Pode ser aceitável para a Rússia, ou a Rússia dizer: "Não quero saber do que dizem, a Crimeia é território russo." E Zelensky pode dizer: "Eu não reconheço o domínio russo da região da Crimeia." Mas podem arranjar linguagem diplomática para conciliar isso...

Quanto ao território invadido após 24 de fevereiro, é outra história... Será muito difícil.

Donbas é o objetivo mínimo da invasão russa?
O objetivo será mover as fronteiras das duas autoproclamadas repúblicas, para cobrirem toda a área de Luhansk e Donetsk. Quando as pessoas falam no Donbas, pensam que os russos dominam toda a área de Luhansk e Donetsk, mas não dominam. Eles querem "empurrar", alargar as fronteiras. Também querem manter o território entre a Crimeia e a Rússia. Um amigo meu, analista, acredita que esse não é um objetivo importante, mas a minha resposta para ele tem sido: Bem, eles criaram este corredor, porque abdicariam dele? Penso que será difícil negociar o domínio do leste. Alguns territórios do norte e nordeste também foram capturados, e acredito que a Rússia poderá abdicar deles. O leste e o sudeste serão os principais pontos difíceis das negociações.

E depois há outra questão: de quantos ganhos ao longo da costa do Mar Negro abdicarão? Penso que querem tornar a Ucrânia um país isolado, negando-lhe o acesso ao Mar de Azov e ao Mar Negro. Isso seria um grande rombo na economia ucraniana. É por isso que os ucranianos têm lutado com tanta determinação para manter Odessa e Mykolaiv fora do domínio russo. Se capturarem Mykolaiv e se Odessa se render, será uma vitória muito grande para a Rússia, e agarrar-se-ão a ela.

Pelo que vê acontecer no terreno, diria que isso é provável?
Não pelo que vejo, não. Os russos estão a lutar em muitas frentes. Há operações a norte, a nordeste, no leste e no sudeste, há operações no sul... É um exército grande, mas está a combater em muitas frentes, e contra uma resistência firme. Há também cada vez mais armas norte-americanas e europeias a entrar na Ucrânia. A Ucrânia está sempre a pedir mais e mais, mas está a receber uma quantidade justa.

Com alguns pontos das negociações a serem delineados, vê o fim da guerra próximo?
Não. Um jornalista de "O Globo", no Brasil, perguntou-me se isto era o início, o meio ou o fim. E eu disse: estamos algures entre o início e o meio. Penso que não chegará ao fim tão cedo. Penso que será uma guerra longa, penso que o problema dos refugiados se tornará muito pior, penso que a Ucrânia ainda sofrerá muita destruição, penso que haverá muitos mais militares russos a morrer, penso que a população russa atravessará dificuldades económicas muito mais penosas... Mas não acredito que as sanções levem Putin a dizer: "Tenho de abandonar a Ucrânia." Porque o sucesso histórico das sanções na mudança de ações dos Estados, quando se trata de algo que pensam ser mesmo importante, não é muito significativo. A Coreia do Norte e o Irão estão sujeitos a sanções há muito tempo, por exemplo... E há muitos estudos sobre isto. Mesmo quando as sanções funcionam... Demoram muito tempo a funcionar.

Que cenários são possíveis para o fim desta guerra?
Bem, terá de acabar, não é? Mas há duas coisas necessárias para que esta guerra acabe: a primeira é que os ucranianos decidam que o custo - e não falo só em dólares, mas num custo mais abrangente - de lutarem é mais elevado do que o de um acordo de paz, com cedências. Para já, não estão nesse ponto. A motivação ainda é elevada, e a Ucrânia acredita que fez muitos progressos do que esperava.

Do lado russo, não estão a sair-se tão bem quanto pensavam, mas acreditam que eventualmente vão começar a ser mais bem-sucedidos. Ainda não estamos no ponto em que os dois lados estão a dizer que ambos concordam que o custo de lutarem é superior ao custo das cedências. É por isso que não acredito que esta guerra está perto do fim.

A duração e intensidade da resistência ucraniana ao longo do tempo dependerão das tropas a leste, se a Rússia as vai cercar ou não. Também dependerá do volume de destruição, dos números de pessoas deslocadas; 20% da população já está em condição de refugiada ou deslocada neste momento. A dada altura, os custos de cuidar de um país assim são muito elevados. Como aconteceu com a Polónia.

Também pensamos muitas vezes nos efeitos das sanções na economia russa. E os efeitos secundários dessas sanções nas economias ocidentais? Os crescimentos económicos estão a ser revistos em baixa, a inflação começa a aumentar... Os preços dos combustíveis e dos cereais já estão altos... As cadeias de distribuição, que já tinham sido afetadas durante a pandemia, não podem ser recuperadas... São todas más notícias, e, a dada altura, as consequências da guerra em termos da economia e mesmo do desemprego atingir-nos-ão. Estamos a falar de democracias, onde há eleições. E temos eleições a caminho... Os números das sondagens apontam para uma aprovação de cerca de 40% para Joe Biden. A administração quererá manter o controlo do Congresso, e a pergunta é: até quando as pessoas aguentarão as consequências da guerra? Putin poderá estar a calcular que, quanto mais tempo durar a guerra, menor será a unidade, a união, no Ocidente. Não digo que ele esteja certo, mas é uma hipótese que deve ser questionada...

Nas exportações de trigo e milho, a Ucrânia e a Rússia destacam-se. Esses cereais já têm os preços aumentados.

No entanto, mesmo que a união possa ser enfraquecida ao longo do tempo, os esforços dos países ocidentais para enviarem mais armas para a Ucrânia não podem ser abalados... Isto é, a Europa e os EUA não podem dar-se ao luxo de se esquecerem de que há uma guerra em curso na Ucrânia.
Eles não poderão dizer: "Já não vamos enviar ajuda militar à Ucrânia." A urgência de verem a guerra terminar aumentará ao longo do tempo. Ninguém vai abandonar os ucranianos, porque os países ocidentais já manifestaram a seguinte posição: "A Ucrânia tem de ser defendida."

No entanto, na União Europeia, começam a surgir diferenças de opinião quanto ao que fazer agora. As consequências económicas são muito elevadas. Isto não é a Rússia, estamos a falar de democracias. As pessoas saem à rua para irem votar.

Na Rússia, pelo contrário, a julgar, pelo menos, pelas últimas sondagens, não há grandes divergências de opinião quanto à aceitação desta guerra e das posições do regime. Falo dos 83% que dizem apoiar as ações do Kremlin... Que leitura se pode fazer desta percentagem?
É uma boa pergunta. Tenho um amigo na Colômbia que estuda a Rússia e que é especialista em sondagens à opinião pública. Eu perguntei-lhe: "O que pensas destes números?" E ele disse: "Já não sei o que pensar deles, porque muitas sondagens são controladas pelo Governo." Pior do que isso, há um clima de medo no país agora. Os 'media' independentes tiveram de fechar, não se pode usar a palavra "guerra" ou "invasão". Só se pode falar em "operação militar especial".

Imagine que é russa e que lhe ligam para lhe perguntarem o que pensa sobre as ações do Kremlin e desta operação militar especial. Provavelmente as pessoas não dirão que "é terrível porque pago o dobro do que pagava por um pão".

No entanto, as sondagens são irrelevantes, certo? A questão é: o regime e as autoridades do país enfrentam pessoas em grande número nas ruas? É um número que faça Putin preocupar-se? A resposta é não. São algumas pessoas, sim, mas nada que o Kremlin não possa gerir.

Temos de olhar, mais do que para as sondagens, para as mães e avós de soldados mortos que aparecem - ou não - nas ruas. Porque uma coisa é dispersar um grupo de professores e artistas, outra coisa é terem de afugentar um grupo de mães e avós a chorar as perdas dos filhos e netos. Não vemos que haja sinais disso, e também observamos a narrativa do Governo na televisão estatal. É nisso que as pessoas acreditam.

Há desinformação, isto é o início de uma guerra, e acreditam que não é altura... Quando um país entra numa guerra, há um apoio quase imediato. O nosso país está a entrar numa guerra e não nos queremos opor quando há um conflito a decorrer. Ao longo do tempo isso pode mudar, mas, para já, não vejo sinais de que Putin esteja a ter tantos problemas dentro do país que se veja obrigado a parar a guerra. Quem fale agora contra a guerra é visto como antipatrótico.

O que lhe inspira maior curiosidade neste conflito e que ainda não está perfeitamente claro?
Qual é o estatuto político de Putin no final desta guerra? Será que sairá mais forte ou enfraquecido? Porque este é o seu maior teste em 20 anos de Presidência. Isto é o maior desafio com que alguma vez se confrontou. É uma guerra a larga escala. Ele queimou todas as pontes com o Ocidente, e, mesmo com os países da Europa que eram mais a favor de um compromisso diplomático, como a Alemanha e França, está a ter problemas. Macron está a tentar negociar, mas sem sucesso.

Não acredito que consigam expulsar a Rússia do G20, mas a questão é como sairá desta guerra. Será visto como um Presidente bem-sucedido? Ou será visto como alguém que iniciou uma guerra que não tinha como vencer?

Sobre o que está a acontecer... Estou curioso sobre o que se passa no círculo interno de Putin. Há altos representantes da Defesa, há conselheiros militares, há o conselho de alta segurança... Estas são as pessoas que realmente importam. Se Putin for deposto, não acredito que essa ação venha de baixo, mas de cima, de uma conspiração dentro do palácio. Putin está bem consciente disso e está a tomar todas as precauções.

Eu quero saber qual é o grau de apoio e a confiança nele. Estará ele numa posição de total controlo? Eu não sei a resposta, e ninguém sabe, nem ele, talvez. Não tenho para já evidências de que o irão depor em breve, mas tenho de ser cauteloso. Há tanto nesta guerra que tem sido surpreendente que, se amanhã acordar com a notícia de que Putin já não está no poder, ficarei espantado mas direi: "É mais uma surpresa."

Penso que ele arranjará pessoas para culpar pela guerra, se não for bem-sucedido. E a narrativa será: "O nosso líder foi enganado e levado a acreditar nisto pelos seus conselheiros." Há quase uma lenda na Rússia, que versa assim: "Não é culpa do czar. O czar não tinha a ciência absoluta desta situação."

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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